terça-feira, 27 de julho de 2010

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Scan: O futuro ou o fim das histórias em quadrinhos?

Dennis Oliveira
hq


Desde que a mídia como um todo migrou por definitivo para a reprodução digital, como cinema, música e televisão, a realidade do consumo de produções culturais foi alterado definitivamente. LP`s, Fitas Cassetes e CD`s se transformaram em relíquias de colecionador, com o advento de pendrives e players portáteis, como os famosos MP3 e celulares. Filmes são disponibilizados na internet poucas horas depois de serem exibidos ou mesmo antes de chegarem às salas de cinema, como foi o caso do filme de Wolverine (que na minha opinião, foi um desfavor, já que o filme é uma droga). Séries americanas são quase disponibilizadas em tempo real. E se você não tem muita familiaridade com a língua estrangeira, sem problemas: existem sites que traduzem e disponibilizam legendas gratuitamente.

Esse assunto já rendeu muitas discussões, dores de cabeça e também processos que renderam outros milhões: afinal, consumir o que é disponibilizado na rede mundial é ou não é pirataria? As opiniões sobre esse assunto divergem bastante e vale lembrar que apesar de ter citado a indústria cinematográfica e a musical, as histórias em quadrinhos também são afetadas pela reprodução digital, ainda que não tenham aderido completamente a este novo modelo. Mas com o lançamento do IPad no mês passado, esse assunto novamente veio a baila e vale, acredito, ser novamente discutido.

Em um podcast especial sobre seu trabalho e os 10 anos do site Universo HQ, o jornalista Sidney Gusman deixou clara sua opinião contrária aos “scans”, como são chamados os quadrinhos digitalizados, as vezes traduzidos e disponibilizados gratuitamente na internet. Ele deixou claro que, em sua opinião, se trata de pirataria, infligindo direitos autorais, prejudicando diretamente as editoras (internacionais e nacionais) e indiretamente, artistas do ramo. Ele abre exceções para os casos de edições esgotadas, que jamais poderiam ser encontradas novamente.

Em certo ponto, concordo plenamente com Gusman, no sentido de que baixar e ler uma história, deixando de comprar um quadrinho, prejudica a indústria como um todo. Porém, existe um outro lado da moeda a ser analisado mais profundamente, que é o lema dos “legenders” (responsáveis por traduzir filmes e dispor a legenda na rede, como no caso do site legendas.tv): “De fã pra fã”.

Eu sou fã incondiscional de Garth Ennis, seja à frente do Justiceiro, Preacher e até mesmo com Pro. Quando fiquei sabendo do enredo de The Boys fiquei fascinado e louco para ler algo. Para minha infelicidade e tantos outros fãs, a série lançada em 2006 foi suspensa pela temática pesada (marca registrada do autor) e trocou de editora para evitar danos a leitores mais “puritanos”. O que fazer? Aguarda a boa vontade de uma editora brasileira em adquirir esse material para publicar? Infelizmente é de conhecimento geral que o mercado de quadrinhos direcionado para adultos costuma ser completamente instável, como foi o caso da Pixel e também a Brainstore ou mesmo da Abril. Poderia comprar as edições em inglês, já que arranho um pouco da linguagem do Tio Sam, mas ainda assim não seria 100%. A melhor saída? Baixar na rede e ler na íntegra. MAS (destaco de novo) MAS, sob uma condição: comprar a revista quando ela for publicada, que parece ser o caso, já que a Devir anunciou para este ano (quatro anos depois) o lançamento sem solo nacional. Então eu pergunto: estaria eu cometendo algum crime, já que sou fã do autor, em ler seu material e depois compra-lo? Imagine se tão comentado Avatar demorasse os mesmos quatro anos para chegar aqui no Brasil. Será que muita gente não iria baixar e depois ir até um cinema para assistir com todos os efeitos visuais e sonoros que o filme possui? Infelizmente a resposta é não.

Não posso dizer por outros países, mas pela experiência que tenho no Brasil de grande consumidor de cultura (filmes, músicas, livros, histórias em quadrinhos e séries) sou obrigado a admitir que praticamente inviável adquirir e usufruir de tudo isso de maneira legítima. Gusman deixa claro essa situação no podcast, já que dificilmente quem leu uma hq, principalmente se não for muito fã, comprará a revista. Se a história for ruim então, nem se fala.

Talvez não haja uma opinião formada sobre o assunto de porque as pessoas que utilizam dessas formas de reprodução digital vem das mais variadas classes sociais e com os mais variados poderes aquisitivos. No caso dos quadrinhos ainda há um agravante a favor dos scans que é a qualidade de colecionador que a maioria dos fãs tem: quantas vezes comprei uma revista da Marvel ou da DC sabendo que aquela edição estava uma droga, mas não deixaria faltar um número na minha coleção. Isso pode (não quer dizer que vá) valer também para os scans. Por exemplo: a cronologia das histórias de super-heróis publicadas no Brasil está normalmente um ano atrás do que acontece nos Estados Unidos. A curiosidade de saber o que vai acontecer é muito grande e às vezes ler o scan se transforma em um alívio. Mas com a mesma ressalva feita anteriormente: comprar a hq, indiferente dela ser ruim ou não, quando for publicada no Brasil.

Como diria e faço das minhas palavras as de Gusman, “a não ser que a pessoa seja milionária, é impossível comprar tudo o que é publicado”. E isso se referindo apenas a histórias em quadrinhos. Da última vez que contabilizei minha coleção, tinha cerca de duas mil revistas, com um valor estimado de INVESTIMENTO em torno de R$ 18.000. Mais ou menos dez anos de muito empenho e dedicação, porque onde moro nem sempre tenho acesso a tudo o que é lançado e comprar pela internet encarece por causa do frete. Some isso à compra de livros, que geralmente variam entre R$ 30 a R$ 50 cada edição. Filmes em salas de cinemas: R$ 12 a entrada. Some a isso gastos e despesas mensais, como telefone, transporte e alimentação. Pronto! Está instalado o cenário perfeito para instigar o uso dos scans.

Outra questão que não ajuda muito a publicação de hq`s no Brasil, mais especificamente do gênero de super-heróis, são os chamados mix. Nos Estados Unidos se você quiser ler uma história do Demolidor, por exemplo, vai até uma bancada, solicita do proprietário e compra uma revista só do Demolidor. O mesmo não acontece aqui, porque o mercado não é tão forte quando o de lá. Então, para compensar, as editoras resolveram unir títulos e vender em um pacote. Isso pode ajudar quando você é fã de todos os heróis daquela revista. Mas e quando você quer ler somente o Demolidor? Aí é obrigado a comprar uma revista com uma história tosca e ridícula sobre o Hulk e também sobre o Rulk (cortesia do inábil Joeph Loeb). Enquanto nos States uma única revista custa cerca de U$ 3, aqui o mix de cinco revistas sai a R$ 7,95. Na questão de custo, é viável para o leitor. Na questão de satisfação, a resposta é questionável.

Em meio o turbilhão de lançamentos (que só no Brasil chegam a mais de 100 por mês) e com a contensão de gastos, já que a situação financeira nem sempre permite gastos elevados com a cultura, talvez seja o momento das editoras mudarem o foco e passarem a agir de maneira pró-ativa. Como discutido no FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos), no podcast de Gusman e tantas outras salas de Fórum/Bate Papos, saídas criativas podem ser tomadas pelas editoras para atrair e assegurar seus leitores. A mais antiga e a mais prática até hoje são os famosos “brindes”: posters, adesivos, chaveiros e até mesmo baralhos completos (como a Panini já fez) atraem os fãs através das famosas vendas casadas. Outra saída, proposta também por Gusman, seria a criação de uma possibilidade de a pessoa escolher o mix que ela deseja e existir uma forma desse mix ser impresso sob demanda. Ou que se abra para os próprios leitores votarem pelo mix de uma das revistas. Outra opção seria a venda de hq`s pela internet, como já acontece com alguns sites de música. As saídas são inúmeras, creio que falta simplesmente boa vontade para criar novas idéias.

Mas enquanto os scans podem afetar e prejudicar o grande mercado, para os independentes, não poderia existir melhor maneira de produção e divulgação, assim como aconteceram com muitos cantores, que saíram do desconhecimento geral para a fama, praticamente da noite para o dia. Essa produção independente vale um post a parte, já que abarca outro tema que o formato das hq`s para internet, que pretendo abordar posteriormente.

Dizer hoje, que os scans vão acabar com os quadrinhos é o mesmo que acreditar que internet vai acabar com os jornais impressos. Na verdade, vão. Para escapar desta extinção, as mídias impressas deverão adotar saídas mais criativas e atrativas, do que suas contrapartes digitais. Tudo é questão de consciência. O fã, que é fã de verdade, não quer ver seu artista favorito no olho da rua e nem a revista de seu herói predileto cancelada. Lembre-se: se for ler o scan, compre a revista. Se estiver apertado, divida o preço da revista com um conhecido que também gosta de ler ou pegue emprestado. Provar para comprar depois também não é muito justo, já que se você não pode chegar uma lanchonete, pedir um X-tudo, dar duas mordidas e ir embora sem pagar porque não gostou.

A realidade dos scans (dos mp3 e dos avi) estão culturalmente arraigados no dia a dia brasileiro e também mundial. Acreditar que será possível acabar com eles é balela. A melhor saída é se adequar enquanto há tempo. Só tome o cuidado para não ser seduzido pelo lado negro da força!
Postado em 11 de Fevereiro, 2010

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