domingo, 2 de maio de 2010

tragedia.MACAPA.ENFERM.DECIDEM QUEM VAI VIVER E QUEM VAI MORRER..

Em um cemitério estão enterrados os sonhos de centenas de mães. Uma delas é Kamila Souza. A filha dela viveu apenas 15 dias. “A dor de ter um filho passa. Mas a dor de perder um filho não passa de jeito nenhum”, diz ela.

Em Macapá, capital do Amapá, existe uma única opção para as mães que não têm como pagar por um parto: a Maternidade Estadual Mãe Luzia.

“Eu sentia que não era para eu ir para lá. Eu disse para minha mãe não me levar para lá porque eu não quero ter filho naquela maternidade”, lembra Kamila.

A Maternidade Mãe Luzia recebe gestantes de todo o estado e também da Ilha de Marajó e faz uma média de 800 partos por mês.

A equipe do Fantástico entrou na maternidade com uma câmera escondida e presenciou uma cena dramática: havia apenas um respirador para três bebês na UTI para recém-nascidos. Um dos bebês que precisava do respirador acabou morrendo horas depois.

“Você está ali por um ser humano e, de repente, tem que decidir quem vive e quem morre. É muito complicado para nós”, diz uma funcionária da maternidade que não quis se identificar. “Mortes com crianças e uma rotina“, conta.

O Fantástico reuniu mães que entraram grávidas na Maternidade Mãe Luzia e saíram de lá sem os filhos.

“É uma dor que nunca vai passar. Aquela cena vai ficar para o resto da minha vida”, diz Cilene Castro, de 31 anos.

O grupo pediu ao Ministério Público que as mortes dos bebês fossem investigadas.

“De janeiro até agora nasceram 1755 crianças, das quais 57 foram a óbito”, diz o promotor Marcelo Moreira dos Santos.

Na estatística de mortes de bebês no estado do Amapá, chama a atenção o percentual registrado apenas na Maternidade Mãe Luzia.

“Deste número, de 60% a 70% dos óbitos foram na maternidade”, afirma o promotor.

O Fantástico procurou o secretário de Saúde do estado, mas ele pediu que o diretor da maternidade falasse em nome do governo.

Fantástico: Como obstetra, você considera que hoje as condições da maternidade são satisfatórias?

“As condições não são satisfatórias. Temos superlotação, carência de médicos, enfermagem. Nossa maternidade está pequena para a demanda que temos hoje”, constata o diretor Dílson Ferreira da Silva.

O Fantástico perguntou ao diretor sobre o elevado número de mortes registradas dentro da maternidade.

“Esse índice de mortalidade está dentro da média. Se você procurar no site do Ministério, vai olhar que está dentro da média”, assegura ele.

Mas a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia contesta o diretor da maternidade. Só este ano, o índice de mortalidade de bebês de até um mês de vida na Maternidade Mãe Luzia chegou a 32 para cada mil nascimentos. E a média brasileira é bem menor.

“Em cada mil, de cinco a seis crianças é que morreriam nessa faixa etária. A gente vê que lá é um número de cinco a seis vezes maior do que ocorre nas grande capitais”, diz Lucia Nagata, membro da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia.

O Fantástico mostrou à médica as imagens do hospital.

“Acho que seria uma situação aceitável se a gente estivesse em guerra, em um lugar onde realmente não houvesse condições”, avaliou Lucila Nagata.

“Eu acho que só aceitaríamos se estivéssemos em uma situação de extrema urgência, em um terremoto. Em uma situação de calamidade publica, até poderia acontecer de gestantes em trabalho de parto dividirem uma mesma maca. É totalmente desumano uma paciente dividir uma cama com mais duas pessoas que estão na mesma situação que ela”, conclui.

A dona de casa Ivete Nascimento diz ter sido vítima da falta de estrutura. Depois de completar nove meses de gravidez, ficou uma semana indo à maternidade em busca de atendimento.

Quando conseguiu, era tarde demais. “À 0h30, a enfermeira disse que minha filha havia passado da hora de nascer e o caso dela era muito grave. O certo seria estar na UTI, mas não havia vaga. Às 10h30, ela faleceu”, conta Ivete.

“Estamos solicitando uma intervenção federal na saúde pública do Amapá, para tentar evitar as mortes que estão acontecendo de forma acelerada dentro da maternidade do estado”, adianta o diretor do Sindicato de Enfermagem e Trabalhadores de Saúde do Amapá, Dorinaldo Malafaia.

“Eu não tenho dúvida de que existem responsáveis. Vamos apurar e buscar que se faça justiça em relação a essas vidas que se perderam desnecessariamente aqui no estado do Amapá”, afirma o promotor Marcelo Moreira.

O Ministério Público pediu a abertura de um inquérito policial e ingressou na Justiça para que os serviços prestados pela maternidade melhorem.


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