segunda-feira, 11 de março de 2013
Os Bandeirantes
"O tema entradas e
bandeiras tem sempre espaço garantido nos livros didáticos de História
do Brasil. Nos capítulos referentes à expansão territorial, o
bandeirante é apresentado, na grande maioria das vezes, como herói
responsável pelas dimensões continentais do país. As ilustrações do
texto apresentam, quase sempre a figura de um sertanista de botas de
cano alto, chapéu de aba larga, gibão acolchoado, com uma escopeta ou um
bacamarte na mão. No texto é passada a visão heróica do bravo que,
vencendo dificuldades sem fim, conquistou áreas imensas para a Colônia e
descobriu riquezas no interior do Brasil. Os livros didáticos, na
verdade, reproduzem uma visão mítica do bandeirante, elaborada
cuidadosamente pela historiografia do bandeirismo. Essa versão mítica
está tão profundamente enraizada, que faz parte do senso comum e é tida e
aceita como concreta e definitiva". (VOLPATO, 1986, p. 17).
A proposta deste texto é
apresentar os aspectos reais sobre as entradas e bandeiras, mas tendo
foco na figura dos bandeirantes e no relato de algumas entradas e
bandeiras. A ideia é mostrar como as bandeiras se estruturavam, quais
eram seus objetivos, como era a vida numa bandeira, e sua importância
para a ampliação do território colonial brasileiro, para a escravidão
indígena, o combate aos quilombos e a descoberta das minas de ouro,
esmeraldas e diamantes.
O sertão selvagem: desbravando o interior da colônia
Desde que o Brasil fora "descoberto" em 22 de abril de 1500 por Pedro Álvares Cabral e sua armada de 12 naus e mais de mil homens, as novas terras que Portugal passava a oficialmente possuir desde o combinado, visto no Tratado de Tordesilhas em 1494, não vieram a serem colonizadas naquele momento, e nem no ano seguinte e nem depois. O lucro conseguido com as especiarias nos empórios nas Índias era bem mais satisfatório e promissor do que apenas comercializar pau-brasil o primeiro produto que mostrou possuir um mercado razoável para seu consumo e venda.
De 1500 a 1530, o Brasil era visitado com frequência por naus que iam explorar a costa, para mapeá-la, e por navios que iam coletar o pau-brasil, tais homens ficaram conhecidos como brasileiros (aquele que trabalha no comércio do pau-brasil). Feitorias foram fundadas durante estas três décadas, e até mesmo expedições terrestres foram feitas se adentrando poucas léguas de distância da costa, onde os exploradores iam atrás de descobrir minas de metais preciosos e joias, pois haviam visto índios usando adornos de ouro.
No entanto a colonização do Brasil começou de fato a partir de 1530, onde posteriormente D. João III em 1534 criou o sistema das capitanias hereditárias, nomeando capitães donatários para governá-las; doando terras através das sesmarias, nomeando funcionários para as vilas que começavam a surgir, além de incentivando a ida de famílias para colonizar aquelas vastas terras. Ao mesmo tempo que os colonos fundavam vilas e formavam roçados, ainda havia o incentivo de adentrar o interior, chamado de sertão, a fim de descobrir riquezas minerais ali escondidas.
As entradas foram expedições organizadas e bancadas pelas finanças do Estado. Na ocasião, o donatário e fundador da Capitania de São Vicente, a capitania mais ao sul do país, onde hoje corresponderia a partes dos territórios dos atuais Rio de Janeiro e São Paulo, Martim Afonso de Sousa (1490/1500-1571) fora incumbido pelo rei de fundar uma vila, a Vila de São Vicente,
sede da futura capitania, e ao mesmo tempo de organizar uma expedição
para o sertão da capitania. Martim já vivia no Brasil desde 1530, tendo
coordenado três entradas entre 1530-1532.
Em 1535, Brás Cubas, criara o povoado de Santos, dez anos depois viria a ser promovida a Vila de Santos. Além destas duas vilas, outro povoado fora criado no planalto por João Ramalho. Nos anos seguintes Martim focaria a atenção no desenvolvimento de sua capitania, fundando engenhos, dando início as plantações de cana de açúcar, trazendo gado bovino para a ilha, além de incentivar a vinda de mais colonos. Antes de Martim Afonso, outras entradas já haviam sido realizadas, mas sem muito sucesso e poucas são as fontes acerca destas entradas como aponta Magalhães [1978], onde a entrada mais antiga conhecida data de 1504, tendo sido organizada pelo italiano Américo Vespúcio. As entradas realizadas por Martim Afonso são as mais antigas em que se tem maiores detalhes sobre a mesmas.
"As vilas de São Vicente e de Santos se firmaram como baluartes da ocupação lusa ao sul da extensa costa do Atlântico que cabia a Portugal pelo Tratado de Tordesilhas. O cultivo da cana se fez de maneira satisfatória e a produção de açúcar se tornou intensa o suficiente para que o porto de Santos tivesse movimentado comércio. O povoamento não se alargou mais, porém, do que uma estreita faixa do litoral. Durante duas décadas a ocupação portuguesa na Capitania de São Vicente não foi além de uma estreita nesga de terra fértil incrustada entre o Oceano e a Serra do Mar". (VOLUPATO, 1986, p. 27).
Da mesma forma que o
povoamento da Capitania de São Vicente ficara restrito ao litoral, o
mesmo ocorreu no restante da colônia. A fim de contornar tal problema e o
atraso do desenvolvimento da colônia, em 1548, D. João III criou o
Governo-Geral e nomeou o político e militar Tomé de Sousa (1503-1579)
para assumir como governador-geral do Brasil. Tomé anos antes já havia
prestado alguns serviços à Coroa nas Índias em África, e por seu bom
trabalho recebera a indicação ao cargo. No ano de 1549 ele chegou a Capitania da Bahia onde fundara a cidade de Salvador
a primeira capital do Brasil. Uma das missões de Tomé, era explorar os
sertões para descobrir riquezas e mapear o interior do território
colonial. Em 1553 no final de seu mandato, ele ordenou a inciativa da entrada que ficara sob o comando do espanhol Francisco Bruzo de Espinosa com o objetivo de desbravar os sertões da Bahia. A entrada que contou com centenas de integrantes, conseguira chegar ao rio São Francisco naquela ocasião, e indo até mais além deste no que viria a ser território de Minas Gerais onde fora fundada a Vila de Espinosa. A partir dessa entrada em 1554, outras entradas seriam promovidas pelo restante da colônia, incentivando os sertanistas
como ficariam conhecidos estes homens, a desbravarem as terras
interioranas em busca de riquezas, de se caçar indígenas para a
escravidão, de montar missões religiosas para a catequização destes.
Os motivos de impulsionar tais homens a desbravar os sertões atrás de riquezas minerais era o fato que eles haviam visto índios usando ouro; além dos indígenas também contarem histórias sobre minas de ouro e prata, e o fato de que em 1534, Francisco Pizarro havia conquistado o Império Inca, conseguindo para a Coroa Espanhola, dezenas de toneladas em ouro e prata, e posteriormente descobriram a localização destas minas, e muitas destas ficavam localizadas em Potosi no chamado Alto Peru que hoje é a Bolívia. Sabendo que o Brasil estava no mesmo continente que o Peru, logo deduziu-se que poderia-se seguir a pé, até estas minas que ficavam no Peru, embora não se soubesse exatamente a distância até elas.
Outro motivo que incentivou as entradas, fora a captura dos indígenas para o trabalho escravo, pois embora a escravidão negra tenha sido introduzida no Brasil ainda no século XVI, a escravidão indígena ainda continuou a ser utilizada até o século XIX em algumas regiões do Brasil, embora tenha sido proibida várias vezes ao longo da história colonial. Pois os escravos negros embora tenham abundando ao longo do período que vai de meados do século XVI até 1888, sendo que pelo menos quatro milhões de africanos tenham sido trazidos ao Brasil; muitos indígenas mesmo assim foram exterminados e escravizados, pois os africanos eram mercadorias caras, e nem todo mundo tinha condições financeiras de comprar uma quantidade razoável destes; por outro lado, os índios embora fossem "mais fracos" para o trabalho pesado, eram mais baratos de se comprar. Muitas das vilas que ficavam nos sertões, dispunham de maior quantidade de mão de obra indígena do que africana, pois essa ficava concentrada no litoral, nas cidades, vilas e nas plantações canavieiras, sendo poucos exemplares que iam ser vendidos no interior.
Um terceiro motivo fundamental que incentivou as entradas, fora a missão de ocupação, colonização e proteção, pois o litoral brasileiro era invadido por piratas francese, espanhóis e posteriormente holandeses que iam roubar pau-brasil e depois carregamento de açúcar. Algumas entradas partiram com o intuito de construir fortalezas, fundaram vilas e ocuparem as áreas desertas da colônia, a fim de garantir segurança e combater os intrusos.
O início das bandeiras
Como o foco deste trabalho é falar a respeito das bandeiras e dos bandeirantes, não me prenderei a relatar a respeito das entradas, pois embora as bandeiras fossem essencialmente a mesma coisa, a história destas fica mais restrita a parte sul da colônia, embora houveram bandeiras na parte norte também, como será visto mais adiante.
A diferença básica de uma bandeira para uma entrada, é que as entradas foram expedições organizadas pelo Estado o qual nomeava representantes para assumir sua organização e liderança, por outro lado, as bandeiras partiram da iniciativa privada, embora que houveram casos onde a Igreja e o Estado, chegaram a contribuir com equipamentos ou suprimentos, todavia, nas capitanias sulistas, o termo bandeira passou a ser mais empregado do que o termo entrada, logo os membros das bandeiras passaram a serem chamados de bandeirantes, e o bandeirante se tornou uma profissão específica e reconhecida.
Em 8 de setembro de 1553, o lugar-tenente Antonio de Oliveira e Brás Cubas, ordenados por Martim Afonso de Sousa, conseguiram com sua entrada, subir a Serra do Mar e alcançaram o planalto de Piratininga, fundando a Vila de Santo André da Borda do Campo. A vila fora fundada a partir da localização do povoado que João Ramalho havia erigido anos antes. Com a fundação da vila, Antonio de Oliveira, mudou-se para lá com sua esposa D. Genebra Leitão e o restante da família, além de levarem consigo, outras famílias vindas das vilas de São Vicente e Santos. . E no ano seguinte os jesuítas padre Manuel da Nóbrega e o irmão José de Anchieta, junto com outros jesuítas, bandeirantes e o apoio do cacique Tibiriça, fundaram o Colégio de São Paulo do Campo do Piratininga a 25 de janeiro de 1554.
"'Como se sabe, o núcleo inicial da cidade de São Paulo foi o Colégio fundado pelo jesuítas, em 1554, uma paupérrima e estreita casinha, tendo 14 passos de comprimento e 10 de largura, feita de barro e coberta de palha...', no dizer de Manuel da Nóbrega". (DAVIDOFF, 1984, p. 16).
"O colégio atuou como
elemento aglutinador do povoamento do Planalto do Piratininga. Sua ação
não pode ser compreendida se levarmos em conta o colégio apenas como um
estabelecimento de ensino capaz de fornecer conhecimento ao filho dos
colonos. A interação entre o estabelecimento religioso e a colonização é
muito mais profunda. Durante os Tempos Modernos, a europeização do
mundo era, em muitos momentos, confundida com a evangelização. A
expansão ultramarina e a colonização eram vistas também como
uma possibilidade de se levar a fé de Cristo ao mais distantes pontos do
mundo. A catequização dos povos pagãos era a justificativa ideológica
dos europeus para a conquista de outras terras e outros povos".
(VOLUPATO, 1986, p. 27).
Um povoado se formou em torno do colégio jesuítico e rapidamente cresceu em pouco tempo. Em 1560, o então governador-geral Mem de Sá (1500-1572), ordenou a criação da Vila de São Paulo do Piratininga,
ordenando que a população da Vila de Santo André se muda-se para a nova
vila, a qual se tornaria o principal centro urbano do
planalto piratininguense, mesmo assim, a população da vila não vivia em
condições prósperas. As terras do planalto eram frias e constantemente
ameaçadas por outras tribos indígenas como os Tupinambás. Como na
colônia não havia um exército ou polícia, a própria população se armava
para se defender, logo, milícias foram criadas para combater os ataques
dos índios não apenas em São Paulo, mas em toda a colônia. Desde que o Brasil fora "descoberto" em 22 de abril de 1500 por Pedro Álvares Cabral e sua armada de 12 naus e mais de mil homens, as novas terras que Portugal passava a oficialmente possuir desde o combinado, visto no Tratado de Tordesilhas em 1494, não vieram a serem colonizadas naquele momento, e nem no ano seguinte e nem depois. O lucro conseguido com as especiarias nos empórios nas Índias era bem mais satisfatório e promissor do que apenas comercializar pau-brasil o primeiro produto que mostrou possuir um mercado razoável para seu consumo e venda.
De 1500 a 1530, o Brasil era visitado com frequência por naus que iam explorar a costa, para mapeá-la, e por navios que iam coletar o pau-brasil, tais homens ficaram conhecidos como brasileiros (aquele que trabalha no comércio do pau-brasil). Feitorias foram fundadas durante estas três décadas, e até mesmo expedições terrestres foram feitas se adentrando poucas léguas de distância da costa, onde os exploradores iam atrás de descobrir minas de metais preciosos e joias, pois haviam visto índios usando adornos de ouro.
No entanto a colonização do Brasil começou de fato a partir de 1530, onde posteriormente D. João III em 1534 criou o sistema das capitanias hereditárias, nomeando capitães donatários para governá-las; doando terras através das sesmarias, nomeando funcionários para as vilas que começavam a surgir, além de incentivando a ida de famílias para colonizar aquelas vastas terras. Ao mesmo tempo que os colonos fundavam vilas e formavam roçados, ainda havia o incentivo de adentrar o interior, chamado de sertão, a fim de descobrir riquezas minerais ali escondidas.
Martim Afonso de Sousa |
Em 1535, Brás Cubas, criara o povoado de Santos, dez anos depois viria a ser promovida a Vila de Santos. Além destas duas vilas, outro povoado fora criado no planalto por João Ramalho. Nos anos seguintes Martim focaria a atenção no desenvolvimento de sua capitania, fundando engenhos, dando início as plantações de cana de açúcar, trazendo gado bovino para a ilha, além de incentivar a vinda de mais colonos. Antes de Martim Afonso, outras entradas já haviam sido realizadas, mas sem muito sucesso e poucas são as fontes acerca destas entradas como aponta Magalhães [1978], onde a entrada mais antiga conhecida data de 1504, tendo sido organizada pelo italiano Américo Vespúcio. As entradas realizadas por Martim Afonso são as mais antigas em que se tem maiores detalhes sobre a mesmas.
"As vilas de São Vicente e de Santos se firmaram como baluartes da ocupação lusa ao sul da extensa costa do Atlântico que cabia a Portugal pelo Tratado de Tordesilhas. O cultivo da cana se fez de maneira satisfatória e a produção de açúcar se tornou intensa o suficiente para que o porto de Santos tivesse movimentado comércio. O povoamento não se alargou mais, porém, do que uma estreita faixa do litoral. Durante duas décadas a ocupação portuguesa na Capitania de São Vicente não foi além de uma estreita nesga de terra fértil incrustada entre o Oceano e a Serra do Mar". (VOLUPATO, 1986, p. 27).
Tomé de Sousa |
Os motivos de impulsionar tais homens a desbravar os sertões atrás de riquezas minerais era o fato que eles haviam visto índios usando ouro; além dos indígenas também contarem histórias sobre minas de ouro e prata, e o fato de que em 1534, Francisco Pizarro havia conquistado o Império Inca, conseguindo para a Coroa Espanhola, dezenas de toneladas em ouro e prata, e posteriormente descobriram a localização destas minas, e muitas destas ficavam localizadas em Potosi no chamado Alto Peru que hoje é a Bolívia. Sabendo que o Brasil estava no mesmo continente que o Peru, logo deduziu-se que poderia-se seguir a pé, até estas minas que ficavam no Peru, embora não se soubesse exatamente a distância até elas.
Outro motivo que incentivou as entradas, fora a captura dos indígenas para o trabalho escravo, pois embora a escravidão negra tenha sido introduzida no Brasil ainda no século XVI, a escravidão indígena ainda continuou a ser utilizada até o século XIX em algumas regiões do Brasil, embora tenha sido proibida várias vezes ao longo da história colonial. Pois os escravos negros embora tenham abundando ao longo do período que vai de meados do século XVI até 1888, sendo que pelo menos quatro milhões de africanos tenham sido trazidos ao Brasil; muitos indígenas mesmo assim foram exterminados e escravizados, pois os africanos eram mercadorias caras, e nem todo mundo tinha condições financeiras de comprar uma quantidade razoável destes; por outro lado, os índios embora fossem "mais fracos" para o trabalho pesado, eram mais baratos de se comprar. Muitas das vilas que ficavam nos sertões, dispunham de maior quantidade de mão de obra indígena do que africana, pois essa ficava concentrada no litoral, nas cidades, vilas e nas plantações canavieiras, sendo poucos exemplares que iam ser vendidos no interior.
Um terceiro motivo fundamental que incentivou as entradas, fora a missão de ocupação, colonização e proteção, pois o litoral brasileiro era invadido por piratas francese, espanhóis e posteriormente holandeses que iam roubar pau-brasil e depois carregamento de açúcar. Algumas entradas partiram com o intuito de construir fortalezas, fundaram vilas e ocuparem as áreas desertas da colônia, a fim de garantir segurança e combater os intrusos.
O início das bandeiras
Como o foco deste trabalho é falar a respeito das bandeiras e dos bandeirantes, não me prenderei a relatar a respeito das entradas, pois embora as bandeiras fossem essencialmente a mesma coisa, a história destas fica mais restrita a parte sul da colônia, embora houveram bandeiras na parte norte também, como será visto mais adiante.
A diferença básica de uma bandeira para uma entrada, é que as entradas foram expedições organizadas pelo Estado o qual nomeava representantes para assumir sua organização e liderança, por outro lado, as bandeiras partiram da iniciativa privada, embora que houveram casos onde a Igreja e o Estado, chegaram a contribuir com equipamentos ou suprimentos, todavia, nas capitanias sulistas, o termo bandeira passou a ser mais empregado do que o termo entrada, logo os membros das bandeiras passaram a serem chamados de bandeirantes, e o bandeirante se tornou uma profissão específica e reconhecida.
Em 8 de setembro de 1553, o lugar-tenente Antonio de Oliveira e Brás Cubas, ordenados por Martim Afonso de Sousa, conseguiram com sua entrada, subir a Serra do Mar e alcançaram o planalto de Piratininga, fundando a Vila de Santo André da Borda do Campo. A vila fora fundada a partir da localização do povoado que João Ramalho havia erigido anos antes. Com a fundação da vila, Antonio de Oliveira, mudou-se para lá com sua esposa D. Genebra Leitão e o restante da família, além de levarem consigo, outras famílias vindas das vilas de São Vicente e Santos. . E no ano seguinte os jesuítas padre Manuel da Nóbrega e o irmão José de Anchieta, junto com outros jesuítas, bandeirantes e o apoio do cacique Tibiriça, fundaram o Colégio de São Paulo do Campo do Piratininga a 25 de janeiro de 1554.
"'Como se sabe, o núcleo inicial da cidade de São Paulo foi o Colégio fundado pelo jesuítas, em 1554, uma paupérrima e estreita casinha, tendo 14 passos de comprimento e 10 de largura, feita de barro e coberta de palha...', no dizer de Manuel da Nóbrega". (DAVIDOFF, 1984, p. 16).
Fundação de São Paulo, 1913. Pintura de Antônio Parreiras. |
Vila de São Paulo do Piratininga, pintura de Debret. |
"Basicamente diversa era a vida no Planalto. A produção de gêneros de subsistência mantinha a região serrana quase que marginalizada do comércio mundial. À medida que não exportava em escala significativa, sua capacidade de importação também era irrisória. A produção de gêneros de subsistência garantia a sobrevivência, mas encarecia a obtenção de importados, uma vez que os mesmos não poderiam ser pagos com aquilo que a região produzia". (VOLUPATO, 1986, p. 29).
Uma das soluções que alguns particulares encontraram, era arriscar se aventurar pelos sertões em busca das supostas minas de ouro e prata que se diziam existir no interior do continente; por outro lado, outros preferiram ir caçar os indígenas e vendê-los como escravos, pois embora São Vicente e Santos fossem portos movimentados, não recebiam tantos escravos africanos como na região norte (nesse caso norte, representa o atual nordeste, e sul o atual sudeste), logo, grande parte da mão de obra escrava da capitania, era indígena, e em alguns casos as bandeiras também vendiam índios para capitanias vizinhas. Logo, aqueles homens que haviam formados milícias para se defenderem dos ataques, decidiram organizar expedições para adentrar o sertão atrás de riquezas, de desbravar ou devassar, termo utilizado na época; e para se capturar os indígenas. As bandeiras eram criadas.
"Os colonos chegavam ao Brasil com a intenção de ascender econômica e socialmente. Mesmo aqueles que desembarcavam desprovidos de recursos se negavam a se colocar a serviço de outros. A grande disponibilidade de terra fazia com que cada europeu buscasse se tornar ele próprio um proprietário, ocupando uma área, fosse por doação ou por simples ocupação". (VOLUPATO, 1986, p. 30).
Muitos trabalhos manuais e braçais eram vistos como degradantes e indignos de gente de bom status social, logo, tais trabalhos na Europa era relegados aos servos e empregados, daí quando os colonos chegaram ao Novo Mundo, já possuíam em mente tal ideia, e para eles se tornarem servos de outros senhores naquelas terra não era algo cogitado, pois os europeus vinham para as Américas em busca de enriquecer, ganhar fama e ascender socialmente, não para serem meros trabalhadores como já eram em seus países.
Não obstante, além dessa ideia em voga, a Igreja Católica não proibia a escravização dos africanos e dos ameríndios, a justificativa era que aquele pagãos deveriam ser catequizados, para se tornarem cristãos e terem suas almas salvas. Se tornar escravo, seria uma "punição" aos seus pecados, e uma forma de quitar sua "dívida" com Deus, para receber seu perdão no fim da vida, e poder sere salvos de ir para o Inferno. Tal ideia foram bem predominante no final da Idade Média quando começou as Grandes Navegações até o século XIX, quando a escravidão nas Américas começou a ser abolida, embora que em África e na Ásia ela ainda se manteria, mas não justificada mas pela Igreja, mas por seus próprios governos.
"No dizer de Sérgio Milliet, o centro bandeirante durante longos anos foi apenas um povoado extremamente pobre, erguido ao abrigo dos piratas que devastavam a costa e dos índios que infestavam a mata serra acima". (DAVIDOFF, 1984, p. 22).
A vila de São Paulo só viria a se tornar um centro importante por volta do século XVII, mesmo assim ainda se manteria como uma vila "atrasada" até o século XIX, quando começaria a se desenvolver rapidamente graças ao café. Pois embora, as bandeiras fizessem lucro, tal lucro ficava entre particulares, e após a descoberta das minas, muitos deixaram São Paulo para lá irem morar.
A organização de uma bandeira
Em 1560, Mem de Sá designou Brás Cubas para liderar uma entrada a fim de procurar ouro, prata e joias. Segundo o relato da entrada, Cubas teria percorrido cerca de 300 léguas sertão adentro, no entanto, tal distância não é confirmada como certeza; Ele retornou em 1561, depois de alguns meses, tendo fracassado e ficado enfermo. Ainda no mesmo ano, Mem de Sá enviou a entrada de Luís Martins, o qual teria encontrado segundo ele, ouro e umas pedras verdes que se acreditara serem esmeraldas. No entanto, hoje os historiadores a partir de outras fontes documentais, apontam que o suposto ouro que Martins descobrira que ele havia dito ser tão valioso quanto o ouro da Costa da Mina em África, provavelmente deve ter sido pirita, o chamado "ouro dos tolos", os quais consistem em cristais isométricos de ferro com a aparência dourada. Já as supostas esmeraldas, provavelmente eram turmalinas. Pois se a descoberta de Martins fosse real, porque nenhuma expedição fora enviada para o mesmo lugar para certificar-se da descoberta? Mas, pelo contrário, outras missões partiram para locais diferentes da região, pois boatos sobre ouro e prata surgiam toda hora. A solução mais viável por hora era caçar índios.
"O movimento bandeirantista surgiu da necessidade de mão-de-obra dos habitantes do Planalto piratingano. Sem condições de importar os escravos africanos que o comércio europeu colocava-lhes à disposição nos portos coloniais, utilizavam a força de trabalho indígena". (VOLUPATO, 1986, p. 45).
A primeiras bandeiras eram expedições pequenas, contendo algumas dezenas de homens e até mesmo centenas. No auge das bandeiras, no século XVII como será visto, algumas bandeiras chegaram a conter milhares de integrantes, eram verdadeiros exércitos que cruzavam o interior do continente.
As primeiras bandeiras eram armadas (organizadas) pelos seus próprios líderes, no entanto, com o passar do tempo, alguns homens ricos, se uniam para financiar a expedição, e não necessariamente eles participavam da bandeira, mas contratavam um homem experiente que conhece-se as matas e os costumes indígenas para liderar a expedição, então dependendo do investimento feito, comprava-se armas, equipamentos, mantimentos, medicamentos e convocava-se o restante dos membros da expedição, os quais geralmente eram homens entre os seus 15 e 35 anos, atrás de fazerem riqueza e fama; homens de coragem e força, pois a selva era implacável.
Alguns bandeirantes que começaram ainda cedo sua carreira, por exemplo, foram Bartolomeu Bueno da Silva Filho (Anhanguera II) e Antônio Pires de Campo, ambos participaram de bandeiras armadas por seus pais, quando tinham apenas quatorze anos. Francisco Dias da Silva tinha dezesseis anos quando participou de sua primeira bandeira, armada por um tio seu. Outros bandeirantes dedicavam quase a vida toda as bandeiras, as quais se tornavam para eles um estilo de vida; Manuel de Campos Bicudo participou de pelo menos vinte e quatro bandeiras, Fernando Dias Paes Leme fora até o fim da vida um bandeirante, vindo a falecer durante uma bandeira, tendo na época mais de 64 anos. Domingo Jorge Velho, embora tenha se aposentado na velhice, seguiu até essa, sendo um bandeirante.
Além de conter homens livres, as bandeiras também tinham como membros, "índios amansados", usando um termo da época. Tais indígenas, eram cristãos e sabiam falar português, em geral eles eram os guias da expedição, pois muitos conheciam as trilhas e rotas de viagem pelas matas, pois não existiam estradas propriamente falando; seguia-se o curso de rios, ou trilhas, que para olhos desapercebidos passariam em branco, daí a necessidade de se terem pessoas (no caso os índios) que conhecessem aquelas rotas.
O fato de muitas bandeiras conterem índios é interessante, pois na literatura tradicional, se conveniou a ideia de que os bandeirantes fossem apenas brancos, mas na realidade, haviam muitos mestiços, principalmente caboclos ou mamelucos (ambos os termos designam os mestiços de branco com índio), além de haver índios puros mesmo, e em alguns casos mais raros, negros. Além disso, era comum muitos bandeirantes falarem a língua geral, língua esta que originalmente era um dialeto tupi, que com a introdução da língua portuguesa, fora misturada a este dialeto. Pelo fato de conviver muito com os indígenas, alguns bandeirantes falavam mais em língua geral do que em português.
"O bandeirante foi fruto social de uma região marginalizada, de escassos recursos materiais e de vida econômica restrita, e suas ações se orientaram ou no sentido de tirar o máximo proveito das brechas que a economia colonial eventualmente oferecia para a efetivação de lucros rápidos e passageiros em conjunturas favoráveis - como no caso da caça do índio". (DAVIDOFF, 1984, p. 29).
As bandeiras eram organizadas através de contratos entre o armador e os bandeirantes. Alguns contratos eram apenas verbais, outros eram escritos e assinados pelo armador e os participantes da bandeira. No contrato, estipulava-se a porcentagem que cada um receberia com o lucro da bandeira, e as medidas tomadas em caso de prejuízo. Em caso de o armador não ser um bandeirante, ele deixava estabelecido no contrato que se a bandeira fracassasse em sua missão, os bandeirantes deveriam pagar uma compensação pelo investimento feito pelo armador ou armadores. A quitação dessa dívida variava de contrato para contrato. Outro ponto a mencionar no contrato, era o fato que no mesmo se encontrava uma cláusula de risco de vida, pois as bandeiras eram expedições perigosas, e o bandeirante poderia ser morto por um índio, ou se afogar, se perder, ser atacado por uma onça, ser picado por uma cobra, adoecer, etc.
Em caso de um bandeirante consegui-se cumprir com sua missão, mas acaba-se morrendo na viagem de volta, sua parte do lucro seria dada a sua família, ou em caso deste tivesse dívidas, seu lucro seria utilizado para quitá-las. Em caso do bandeirante morre-se e a bandeira não tivesse sucesso, sua dívida seria cobrada de sua família.
Em alguns casos um bandeirante poderia se oferecer para participar da bandeira, ele ofereceria uma quantia que seria paga ao líder da bandeira, também chamado cabo-de-tropa, o qual se comprometeria em levá-lo e trazê-lo em segurança, assim se Deus permitisse, pois em alguns contratos nota-se trechos dizendo que: "Deus lhe guarde sua saúde", "Deus lhe guarde sua vida", "Deus lhe traga vivo", etc.
"Digo eu Martim do Prado que me concerto com Filipe de Veres o levar nesta entrada adonde vai Lázaro da Costa, o qual me obrigo a levar por ida e vinda, dando-me Nosso Senhor vida e saúde, por preço e quantia de dez mil réis em dinheiro, de contanto ou em fazenda". (VOLUPATO, 1986, p. 60 apud MACHADO, 1929).
O chefe, cabo-de-tropa, líder ou capitão de uma bandeira era a autoridade maior numa bandeira, seu poder era imenso, ao ponto de agir como um juiz. O chefe era o responsável por coordenar a bandeira, definir o trajeto a ser percorrido a estratégia de ataque, a divisão dos afazeres e do lucro, claro que ele contava com ajuda de homens de sua confiança para fazer isso. Além disso, em caso de indisciplina, os indisciplinados eram punidos para dar o exemplo, e em casos de rebelião contra a autoridade do chefe, os rebeldes eram geralmente executados por sua traição. Fernão Dias Paes tivera que enfrentar uma rebelião desta, onde ele condenou os traidores a pena de morte, e um dos traidores era um filho bastardo seu.
Todos os membros da bandeira, com exceção do capelão o representante religioso da expedição, sabiam lutar, haviam recebido pelo menos um razoável treinamento militar, tanto para manusear e combater com armas de fogo, espadas, lanças, como também utilizar armas indígenas, como o arco e o porrete de batalha. Os próprios indígenas que seguiam com as bandeiras, treinavam constantemente o manejo do arco, pois embora as armas de fogo fossem superiores, a demora de se recarregá-la e a imprecisão do alcance do projétil a longas distâncias, as tornava preferíveis para afugentar, ameaçar ou serem usadas em batalhas de curta distância. Pelo contrário, as flechas iam mais longe, eram mais precisas e silenciosas.
Com a profissionalização das bandeiras, a tropa de índios flecheiros em muitas das bandeiras se tornou algo necessário e quase obrigatório, além do mais, quanto maior o número de índios flecheiros, maiores eram as possibilidades de sucesso da expedição, e o prestígio que ela tinha, pois tais índios embora fossem escravos e não recebessem pagamento, tinham que ser comprados ou capturados, e educados.
Pois embora as bandeiras de preação (ou captura) de índios fossem as mais armadas e com o maior número de gente, as bandeiras de exploração, também iam bem armadas, embora com menor número de gente e poder bélico, pois embora não fossem caçar índios, eventualmente poderia se deparar com tribos hostis, ou até mesmo com expedições espanholas, como ocorrera várias vezes ao longo do século XVII, onde bandeiras guerrearam contra expedições espanholas.
"A bandeira era, portanto, uma expedição agressiva, destinada a marchar sertão adentro em busca de índios, contra os quais efetiva a guerra. Seu sucesso dependia, por conseguinte, do número de seus componentes, e deu sua capacidade bélica e do aparelhamento da expedição em armas e munição. A montagem de uma bandeira era, consequentemente, um empreendimento que demandava investimento de capital". (VOLUPATO, 1986, p. 58).
Muitas das armas e munição utilizadas nas bandeiras vinham de fora, de outras cidades e vilas da colônia, ou até mesmo da metrópole, pois as ferrarias na colônia ainda eram poucas. Logo, conservar as armas e a munição era algo muito necessário, pois se a pólvora molha-se ela ficaria inutilizável por vários dias; e disparar à toa, não era algo viável, pois a munição era pouca e a demora para se recarregar as armas era um problema, pois a mesmas disparavam um projétil por vez, com exceção do bacamarte, onde seu cano largo possibilitava até mesmo se usar pedras, cacos de vidro, pregos, etc., como munição, porém, o alcance era disperso e curto.
"O grosso do aparelhamento dessas bandeiras e o maior dispêndio de capital investido estavam ligados à aquisição de armas e munição. Entre as armas de fogo, as mais utilizadas eram as escopetas e os bacamarte, também as carabinas e as pistolas. Atenção especial era dada às armas de fogo. Isso porque eram elas que garantiam a superioridade bélica aos paulistas". (VOLUPATO, 1986, p. 61).
Além das armas, da água e da comida, pois embora algumas bandeiras seguissem caminho pelo curso de rios, muitas não faziam isso, se embrenhavam pela mata fechada, e as vezes faltava-se água e comida. Os suprimentos duravam apenas os primeiros dias ou as primeiras semanas da expedição, entretanto, algumas expedições poderia durar meses ou até anos. Logo, como não havia meios para se preservar os alimentos, os quais em poucos dias se estragavam, um dos alimentos básicos da expedição era a farinha de mandioca, a qual era aquecida, para melhorar sua conservação, podendo durar até mesmo meses, se não fosse molhada. Sobre isso retomarei mais adiante no texto.
As bandeiras levavam consigo várias ferramentas, como cunhas calçadas, pás, machados, facões, enxós (instrumento de carpintaria, usado para raspar a madeira), enxadas, foices, tendas, redes de dormir, mudas de roupa, cestos, panelas, pratos ou tigelas, facas, cantis, cobertores, travesseiros, toalhas, panos, agulhas de costura, redes e varas de pesca, medicamentos (nesse caso preparos de ervas medicinais, unguentos ou poções), etc; levavam também cordas, correntes e algemas, para prenderem os indígenas. No caso de bandeiras que procuravam por ouro, levavam consigo, picaretas, almocafre (tipo de enxada usada na mineração) e bateias (tipo de peneira usada para separar o ouro da areia, cascalho, terra, etc.).
O vestuário dos bandeirantes
O caso do vestuário dos bandeirantes é bem marcante, pois por longo tempo, fora divulgado a imagem de homens usando botas de cano alto, calças de algodão, gibões de couro, e chapéus de abas largas. Mas na realidade, a vestimenta dos bandeirantes variava de membro para membro, pois os mais pobres não tinham dinheiro para comprar boas roupas, e outros preferiam até mesmo andar descalço. Além do mais, eles carregavam apenas o necessário; muitos bandeirantes levavam apenas umas duas mudas de roupas, geralmente uma blusa extra e uma ceroula extra (cueca). Mas tirando isso, eles usariam a mesma roupa a viagem toda, as lavando quando possível, e as remendando a medida que rasgassem e furassem. Daí alguns relatos falam que quando os bandeirantes retornavam de viagem, dependendo de quanto tempo passaram fora, suas roupas voltavam em farrapos em alguns casos.
Ilustração representando diferentes vestimentas utilizadas pelos bandeirantes. |
Usavam calças longas ou curtas, blusas de algodão, lã ou de outro tecido, e alguns usavam gibões de couro ou de algodão, embora o de algodão, chamado de escupil fora o mais comum, pois além de proteger do frio, era utilizado como armadura, pois era grosso ao ponto de amortecer o impacto de flechas, e também poderia servir de cobertor ou esteira. Tantos os portugueses como os espanhóis já usavam o escupil há vários anos. O problema dos gibões fossem de couro e de algodão, embora servissem de proteção, quando molhados, se tornavam pesados, e em dias muito quentes, andar vestidos com estes era um desafio.
"Os gibões usados pelos paulistas eram espontados em quadrados. Podiam ser de dois tipos: descendo até os joelhos e cobrindo parte dos braços ou apenas protegendo ventre e peito. Este modelo mais longo destinava-se a regiões onde havia o risco de flechas ervadas". (VOLUPATO, 1986, p. 72).
Além de usar gibões de couro ou de algodão como proteção, os bandeirantes também usavam escudos, sendo estes principalmente feitos de couro curtido de boi ou de preferência de couro de anta, o qual após ser curtido, ganhava uma grande rigidez. Os escudos poderiam ser redondos ou retangulares. Uso de escudos é algo interessante, pois a imagem habitual que temos dos bandeirantes não os menciona usando escudos, arco e flecha e lanças, mas apenas armas de fogo e espadas.
A realidade durante uma bandeira
Como fora dito, a comida e a água levados para as bandeiras só duravam a primeira semana ou alguns dias a mais, dependendo da quantidade de água que cada um bebe-se, e no caso dos alimentos como frutas estas depois de uma semana já começavam a estragar. Além de frutas, os bandeirantes também poderiam levar carne salgada ou carne seca, para ser consumida nos dias iniciais da viagem, pois mesmo salgada e seca, a carne ainda assim estragava-se rapidamente no clima úmido e quente. A farinha de mandioca fervida era uma solução eficaz, os próprios indígenas a usavam quando faziam longas viagens. Os bandeirantes também levavam consigo alguns grãos, como feijão, soja e milho, levavam também pão e biscoitos.
No nordeste, algumas bandeiras e entradas chegavam a levar consigo rapadura, doce feito do melaço extraído da cana de açúcar, com alto teor energético e em alguns casos eles também levavam cantis com aguardente ou garapa. No entanto, o consumo de bebidas alcoólicas nas bandeiras e entradas não era recorrente.
Então passamos para uma questão problemática das bandeiras, a falta de comida e de água. Como na época não havia técnicas eficientes para se conservar os alimentos, os mesmos, embora pudessem ser levados em maior quantidade, acabariam estragando ao ponto de não terem serventia, e apenas acarretando um excesso de bagagem para os bandeirantes terem que carregar. No entanto, vale salientar que quando aldeias indígenas, vilas ou cidades eram atacadas, sua comida era saqueada. Porém, como isso poderia demorar a acontecer, a solução era caçar, pescar e coletar.
Quando as expedições seguiam pelas margens de rios e riachos, a disponibilidade de água era abundante, e a possibilidade de pesca também, daí as redes de pesca serem bem úteis. Mas, quando não havia peixes por perto, o jeito era partir para a caça: caçava-se cutias, antas, capivaras, algumas espécies de pássaros, de macacos, porcos do mato, etc., e quando a fome apertava, outros tipos de animais antes não consumidos por "nojo" eram caçados, como cobras, ratos, tatus, gambás, macacos, sapos, jacarés, lagartos e até alguns tipos de insetos, como o chamado bicho-de-taquara (designação dada a uma espécie de mariposa, neste caso, a forma de lagarta e casulo é que eram consumidas) e a formiga chamada de içá (também conhecida em alguns locais do Brasil pelo nome de saúva e tanajura).
Farofa de içá (saúva ou tanajura). |
Mas, além dos alimentos de origem animal, os alimentos de origem vegetal eram também amplamente consumidos, principalmente as frutas e o palmito. No entanto, os bandeirantes aprenderam com os indígenas, a consumirem outros tipos de plantas, que incluíam suas folhas, caules e até mesmo raízes, como a raiz de guaribá, raiz do umbuzeiro, grelos da samambaia, etc.
"Assim, tentando aproveitar ao máximo o que a própria mata oferecia, as bandeiras criaram uma dieta peculiar, onde se misturavam hábitos europeus e indígenas, onde a preocupação básica era garantir a sobrevivência dos sertanistas. O hábito de uma vida agreste e o espírito de aventura incluíam também hábitos alimentares ante a ameaça da fome". (VOLUPATO, 1986, p. 69).
No caso da falta de água, os bandeirantes foram aprendendo com os índios a localizarem poços d'água, fontes de água, a coletarem água a partir de algumas plantas que retinham água da chuva; em alguns casos bebia-se o sangue dos animais; bebia-se o suco das frutas, espremia-se algumas folhas, cipós e raízes que possuíam água, como era o caso da raiz do umbuzeiro. Uma planta importante para como fonte de água era a chamada árvore-fonte, ou árvore-rio ou samaritana do sertão, uma árvore comum dos sertões de Goiás e da Bahia, a qual acumulava em buracos de seu tronco, água. Outras árvores de onde podia-se ser extrair água das raízes eram o taquaruçu e os caraguatás (também chamado de gravatá, cravatá, erva-do-gentio, erva-piteira, etc).
Em alguns casos, as bandeiras montavam um acampamento fixo que poderia ficar ali estabelecido por semanas ou até mesmo meses, enquanto grupos menores da bandeira exploravam os arredores. Com isso, pequenos roçados chegaram a serem plantados. E em alguns casos, onde tais acampamentos ficavam próximos a cursos de rios conhecidos, eles recebiam apoio de vilas, através das chamadas monções, onde através de barcos, levasse comida, medicamentos, munição e outros produtos. As monções continuaram a serem empregadas mesmo durante o período do ciclo aurífico, onde iam abastecer as vilas, povoados e acampamentos da região mineradora.
As bandeiras eram realizadas essencialmente a pé, pois muitas não levavam consigo cavalos ou burros, e quando levavam, serviam como animais de carga ou no caso, apenas o chefe é quem levava seu cavalo, mas isso não fora comum entre as bandeiras, e ficara mais limitada a expedições em áreas habitáveis, e não em missões para o interior dos sertões, pois os animais poderiam trazer problemas em determinados percursos da jornada, como subir ou descer serras, atravessar rios, etc. As jornadas começavam logo cedo de manhã e seguiam pelo dia todo, quando no entardecer, se escolhia o local para montar o acampamento da noite. Durante a noite, alguns membros eram escolhidos para manter a vigília, para se evitar ataques surpresas de onças, índios ou dos espanhóis.
Mas, além da ameaça da fome, da sede, de onças-pintadas, o envenenamento e as doenças eram perigos constantes na vida de um bandeirante em missão. Cobras, aranhas, escorpiões, formigas venenosas, sapos, flechas indígenas envenenadas; além das doenças transmitidas por mosquitos como a dengue e a malária (sendo essa mais comum na Amazônia), e doenças causadas por comida e água estragada, como diarreia, cólera, verminoses, e em casos de ferimentos não tratados direitos, estes podiam inflamar e infeccionar, causando febres, e levando os ferimentos a iniciar o estado de gangrena.
"A medicina praticada nas bandeiras era uma mistura e crendices, orações católicas e hábitos de cura utilizados por brancos, índios e negro". (VOLUPATO, 1986, p. 70).
Nas bandeiras e entradas havia membros que possuíam um relativo conhecimento farmacopeico e medicinal, embora alguns não fosse médico profissionais em si. Além disso, alguns índios possuíam conhecimento de curandeirismo. Entre alguns itens que se levava nas bandeiras para se tratar os ferimentos, estava a lanceta, uma espécie de bisturi usado para abrir os cortes, para se extrair flechas, ou outros projéteis, e também era usado para se fazer sangrias e outros procedimentos médicos. Leva-se também como método de estancar o sangramento a chamada pedra-ume. Outro elemento supostamente curativo que os bandeirantes levavam consigo era o bezoar, pedras retiradas do estômagos ou das orelhas de alguns animais; no caso de São Paulo, a preferência era por bezoares, retirados de porcos espinhos, veados e das antas. No entanto, o bezoar hoje não é visto pela medicina como um remédio, mas sim um elemento de crendices antigas, onde acreditavam que os bezoares poderiam combater infecções, doenças intestinais, envenenamento, etc.
"A inúmeros outros animais eram também atribuídas faculdades curativas. Dependendo do animal, a faculdade curativa estava concentrada em uma região do seu corpo, e destinava-se ao combate de mal ou males específicos. Assim, as pedras encontradas na cabeça do jacaré eram remédio infalível contra a febre; já os seus dentes serviam para combater a pestilência do ar. A cauda do gambá eram atribuídas inúmeras serventias que iam desde curar os males dos rins, inclusive procurando a expulsão de cálculos renais, até avaliar as dores do parto e garantir que a parturiente tivesse leite. Nessa farmacopeia, destacavam-se ainda as virtudes das unhas do tamanduá e do bicho-preguiça. Já as cabeças e caudas das cobras eram utilizadas para combater sua própria picadura". (VOLUPATO, 1986, p. 70).
Além destas partes de animais, a urina humana, a pólvora, o sal, o aguardente e o fumo também eram utilizados como medicamentos para se tratar picadas de cobra, cortes, inflamações e infecções. No entanto, provavelmente a melhor serventia que se podia tirar desta farmacopeia indígena-europeia, era o uso das planta, pois os indígenas eram exímios conhecedores de plantas que supostamente curavam os mais diversos males. Chá, pastas, unguentos, feitos a partir de ervas, sementes, frutas, raízes, caule e folhas, eram usados para abaixar a febre, combater a diarreia, amenizar dores de cabeça ou dores corporais, poderia se fazer laxante, soníferos, calmantes, unguentos para fechar as feridas e parar sangramentos, etc.
Os Bandeirantes, pintura de Henrique Bernadelli, 1889. |
Mas, se até aqui vimos, a realidade do bandeirante em ter que procurar comida e água, enfrentar a ameaça de fome e sede, de ter que sobreviver ao ataque de animais, ao envenenamento, a ferimentos e doenças; ter que combater os indígenas ou os espanhóis, outro problema enfrentado pelos bandeirantes era o desejo sexual. Apenas os homens participavam das bandeiras, logo, como ficavam semanas, meses ou até mesmo anos fora de casa, sem poder ver suas esposas ou ter contato com outras mulheres, a solução encontrada era se capturar índias. As únicas mulheres que faziam parte das bandeiras eram as indígenas capturadas durante as bandeiras.
"A exploração das índias, pelos brancos e mamelucos, era uma constante em toda a Colônia. Desconsideradas na sua condição humana, eram violentadas e apropriadas das mais diversas formais. Essa situação se agudizava ainda mais nas bandeiras, onde grassava a permissividade". (VOLUPATO, 1986, p. 73).
Sabe-se através de relatos de cronistas da época que era comum muitos bandeirantes terem filhos bastardos com índias, onde alguns destes filhos eram reconhecidos, como pode ser visto em testamentos deixados por alguns destes bandeirantes, onde os mesmos deixavam heranças para estes filhos bastardos, ou simplesmente o filho bastardo não era reconhecido oficialmente, mas a sua mãe era comprada e passava a viver com a família do bandeirante. Alguns destes filhos bastardos se tornaram bandeirantes e acompanharam seus pais nas bandeiras.
Após uma tribo ser conquistada e subjugada, a mesma era pilhada, os índios eram acorrentados, e as mulheres eram divididas entre os membros como espólios de guerra. Ao longo das bandeiras, as mulheres eram abusadas constantemente, além de também serem obrigadas a servirem seus "donos". Houveram casos onde índias que possuíam maridos, tiveram os maridos mortos, para que estes não causassem problemas aos bandeirantes que as queriam como concubinas. O concubinato indígena fora comum nos sertões, até mesmo o africano também, pois os senhores de engenho, possuíam africanas como concubinas, e filhos bastardos com estas. Até mesmo homens que não eram senhores de engenho, chegavam a ter entre suas próprias escravas, algumas amantes. Embora a Igreja condenasse tal ato de concubinato e adultério, muitos o praticavam pela colônia, principalmente nas fazendas e nas regiões mais distantes onde a "fiscalização" da Igreja era menor.
Porém, uma questão deve ter vindo a mente de alguns leitores: se havia índios que participavam das bandeiras, estes não relutavam em ajudar os outros índios? A resposta era que havia uns que queriam ajudar os outros índios, mas se assim o tentassem, seriam mortos. Por outro lado, entre os povos indígenas do Brasil, não havia uma noção de uma identidade nacional, embora pudessem pertencer a mesma etnia, falar a mesma língua e ter os mesmos costumes, cada tribo era uma sociedade particular em si. As alianças quando formadas, eram mais de ordem bélica, para formar forças contra um inimigo em comum, embora os brancos fossem esse inimigo em comum, muitas tribos lutavam cada uma por si. Além disso, havia o fato de que algumas tribos indígenas eram inimigas de outras, logo, lutar contra estes não seria algo tão ruim assim, mas de certa forma digno ao indígena, pois a guerra estava profundamente enraizada em sua cultura.
A fé do bandeirante
"No entanto, o homem dos Tempos Modernos era profundamente religioso. Seu aparato ideológico o mantinha muito vinculado a justificativas religiosas, sua vida estava profundamente vinculada a crenças e dogmas. Sua religiosidade, porém, trazia em si muitas das características presentes no cotidiano". (VOLUPATO, 1986, p. 74).
Geralmente de forma errônea o senso comum acredita que a Igreja fora apenas forte durante a Idade Média, mas na realidade isso está errado. A Igreja se mantivera forte até o século XIX, embora não com a mesma influência em todas as nações cristãs, um fato a respeito disso é que o sistema inquisitorial se tornou poderoso a partir da Idade Moderna e continuou ativo até o primeiro quinquênio do século XIX, em Portugal, Espanha e Itália. Muitas mulheres que foram queimadas vivas por bruxaria foram condenadas durante ao longo da Idade Moderna, assim como pessoas acusadas de vampirismo e homens acusados de licantropia. O medo de ir para o Inferno era grande mesmo na modernidade, assim como o fora no período medieval.
"A maior desgraça que poderia cair sobre a cabeça de um cristão da Idade Moderna era morrer sem o consolo dos Santos Sacramentos. Isso porque, mesmo que o indivíduo, tivesse uma vida devassa, Deus abria-lhe o caminho para o Céu através do arrependimento, nos últimos instantes da vida". (VOLUPATO, 1986, p. 74-75).
A exigência de um capelão nas bandeiras era algo obrigatório, pois em caso de algum bandeirante estivesse a beira da morte ou ter morrido, o capelão lhe daria a extrema-unção e realizaria a missa fúnebre. Os bandeirantes acreditavam que por mais que tivessem cometido assassinatos, estupros, adultério, vingança, inveja, traição, luxúria, ganância, ira, etc., Deus iria perdoá-los, diante de seu arrependimento, pois a extrema-unção era entendida como um salvo-conduto para poderem ir para o Céu.
"O capelão era figura obrigatória, e dele dá notícias, em novembro de 1692, Domingos Jorge Velho, exigindo sua presença para a entrada que pretende realizar: 'Peço-lhe pelo amor de Deus me mande um clérigo em falta de um frade, poi se não pode andar na campanha e sendo com tanto risco de vida sem capelão". (DAVIDOFF, 1984, p. 26).
Porém, não bastava apenas o arrependimento no leito de morte, alguns bandeirantes, em seus últimos momentos ou ainda em vida, deixava acertado com seus pares, que em caso de morte, parte de seus bens seria doada para caridade, missas deveriam ser rezadas por sua alma; filhos bastardos deveriam ser reconhecidos, dívida pendentes deveriam ser quitadas pelos seus familiares. Dessa forma, acreditava-se que Deus teria maiores motivos para perdoar seus pecados.
Além disso, algumas entidades religiosas patrocinaram algumas bandeiras. Os jesuítas foram contra as bandeiras de preação, porém as ordens carmelita e franciscana chegaram a patrocinar algumas bandeiras, no interesse de poderem criar missões, e conseguir índios para serem catequizados, pois um dos objetivos destas ordens no Brasil era a catequização do máximo número possível de indígenas. Havia também a justificativa da chamada "guerra justa", onde os indígenas seriam combatidos, por estarem ameaçando os cristãos, e por serem pagãos, era dever dos cristãos confrontá-los a fim de evangelizá-los. Em 1570, o rei de Portugal limitou a ação de preação dos índios, mas a lei não tivera êxito. Em 1596, cinco leis já haviam sido decretadas para se evitar as bandeiras de preação e trabalho escravo indígena, mas isso acabou na surtindo efeito, pois a escravidão se mantivera pelos séculos seguintes.
Os bandeirantes como mercenários, paramilitares e rapinas
Alguns bandeirantes no início do Ciclo das Bandeiras, chegaram a lutar contra os índios e participarem de entradas contra estes, com a dificuldade e severidade da vida de um bandeirante na selva para ter que realizar seu trabalho, muitos acabaram se tornando bons guerreiros, isso levou a serem convocados no século XVII a ajudar particulares e autoridades do Estado colonial a combater algumas ameaças ao governo e a paz da colônia. Nesse caso, algumas bandeiras que migraram para o Nordeste, foram no intuito meramente bélico, passaram a atuar como mercenários ou uma força paramilitar. O governo ofereceu recompensas como terras, títulos, patentes e mercês, para atrair esses bandeirantes a lhe servir, e muitos consentiram, e se tornaram fazendeiros, ganharam patentes no exército, assumiram cargos públicos, etc.
"São Paulo chegou mesmo a sofrer um processo de 'militarização', como atesta a decisão do governador geral D. Francisco de Souza, de 1610, no sentido de que se fizesse o alistamento militar de 'toda a gente de guerra', desde os quatorze anos, o que incluía os índios, e o arrolamento de todas as armas, espingardas, espadas, arcos e flechas". (DAVIDOFF, 1984, p. 26.
Nas primeiras décadas do século XVII os bandeirantes já eram conhecidos na colônia e no reino como experientes desbravadores e guerreiros, fama esta conquistada com mais de quarenta anos de expedições. Além disso, os bandeirantes eram conhecidos por serem corajosos e rudes.
"As condições de defesa da colonização no Brasil sempre foram precárias. A distância da Metrópole, a grande extensão da costa, o grande custo da manutenção de um aparelhamento militar condizente na Colônia eram fatores que dificultavam a melhoria das condições da defesa do Brasil, no primeiro século do descobrimento". (VOLUPATO, 1986, p. 47).
Alguns portos brasileiros foram vítimas de piratas franceses, holandeses, ingleses, espanhóis e até mesmo portugueses. O comércio de açúcar no final do século XVI e no começo do XVII era bem lucrativo, açúcar era o "ouro branco" da época, e o Brasil já despontava como o maior produtor de açúcar do mundo. Há relatos de navios piratas que invadiram a baía de Guanabara e a baía de Todos os Santos, e no caso da Capitania de São Vicente, o porto de Santos chegou a ser roubado algumas vezes, uma das soluções que as autoridades encontraram, fora contratar bandeiras para atuarem como forças paramilitares e defenderem os portos. Há relatos de bandeiras que atuaram em Santos, no Rio de Janeiro, em Salvador e Recife.
Domingo Jorge Velho |
Mas, além de defenderem portos e lutar contra quilombolas, os bandeirantes também combateram os holandeses e os espanhóis. Em 1624 durante o período da União Ibérica (1580-1640) período no qual Portugal e seu império ultramarino estavam sob o controle da Dinastia Filipina de Espanha, que fora governada pelos reis Filipe II, Filipe III e Filipe IV, os holandeses ansiosos em conseguirem terras no Brasil e terem um maior acesso ao lucrativo comércio açucareiro, tomaram a capital Salvador e ali permaneceram por quase um ano, vindo a ser expulsos no ano seguinte, porém cinco anos depois eles retornaram e conquistaram Recife e Olinda, e posteriormente Pernambuco, a principal produtora de açúcar da colônia. O governo-geral e a Coroa espanhola, convocaram bandeiras para ajudarem as forças coloniais a expulsarem os holandeses. No entanto, de 1630 a 1637, os holandeses acabaram conquistando a Paraíba e o Rio Grande do Norte, os conflitos não tiveram sucesso e pararam por algum tempo. A partir de 1644, novas rebeliões iniciadas em Pernambuco, logo após a saída de Maurício de Nassau do cargo de governador da Nova Holanda, como ficou conhecida a colônia neerlandesa no Brasil, levou a convocação de tropas paramilitares, incluindo bandeirantes, para expulsarem os holandeses, guerra esta que durou dez anos. Tais conflitos ficaram conhecidos como a Insurreição Pernambucana (1644-1654).
No caso dos espanhóis a situação fora mais complexa e começou anos antes. A medida que as bandeiras de preação e exploração em busca de ouro penetravam cada vez mais o interior de São Paulo, indo para o que hoje é Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Paraná e Santa Catarina, os bandeirantes esbarraram em vilas e missões espanholas. Já nessa época o Brasil estava sob o domínio espanhol, logo oficialmente não haviam mais fronteiras entre os domínios coloniais portugueses e espanhóis, pois a Espanha considerava quase toda América do Sul sendo sua colônia, logo os bandeirantes avançaram sem medo de receberem represálias do governo por terem invadido terras espanhóis, no entanto, isso acabou se revelando um problema.
Algumas bandeiras vieram a adentrar a Província do Paraguai, motivadas por descobrir a suposta Serra da Prata que ficaria localizada no mítico Reino de Paytiti que se dizia ficar em algum lugar no centro do continente, onde hoje é o território do Paraguai e do estado do Mato Grosso do Sul no Brasil. Muitos acreditavam que tal lugar pudesse ser real devido as Minas de Prata de Potosi que geravam grande lucro a Coroa espanhola.
Desde 1537 o Paraguai já vinha sendo ocupado pelos espanhóis, quando fora fundado a Vila de Assunção, atual capital do país. Nos anos seguintes, novas vilas foram erguidas, depois cidades e missões jesuíticas. O território da província no século XVI e XVII englobava o que hoje são os territórios do Paraná e de Santa Catarina no Brasil. A ideia dos espanhóis era abrir caminho até o mar. Tal região ficara conhecida como Guairá.
No final do século XVI e começo do XVII, bandeiras acabaram alcançando a região do Gauirá a qual pertencia a administração paraguaia, lá se localizavam muitas missões jesuíticas implantadas desde 1588. Como os jesuítas eram contra a escravização dos indígenas as missões se mostraram um empecilho aos bandeirantes, mas por outro lado uma oportunidade ao mesmo tempo. Anos depois outras bandeiras vieram a região com o propósito de atacarem as missões e lhe capturar os indígenas que ali residiam. Logo, tais bandeiras atuaram como tropas paramilitares, cometendo atos de rapina e outras atrocidades. Nesse período, registra-se bandeiras contendo milhares de indivíduos, nesse caso, grande parte do contingente era formado pelos índios aprisionados das missões.
"Inúmeras foram as súplicas e denúncias que os inacianos endereçaram às autoridades coloniais e à Coroa, em todas elas descreviam com ênfase a ferocidade dos paulistas. Em seus ataques, os bandeirantes investiam com tudo, invadindo casas, profanando templos, preocupados apenas em prear o maior número de índios possível. Os padres e seus catecúmenos defendiam-se como podiam, porém, em grande desvantagem. Os paulistas atacavam de surpresa e eram favorecidos pelo uso das armas de fogo, cuja utilização era proibida aos jesuítas. [...]. Os bandeirantes avançavam promovendo razias, ateando fogo, efetivando uma ação destruidora". (VOLUPATO, 1986), p. 82).
Missões acabaram sendo abandonadas ou destruídas. Das 13 missões existentes no Guairá, antes de meados do século XVII, 11 já haviam sido abandonadas após os ataques das bandeiras. Vila Rica e Ciudad Real, que ficavam na região foram invadidas, saqueadas e abandonas pela população. A cidade de Santiago do Xerez, localizada no norte da província, hoje em território do Mato Grosso do Sul, fora destruída entre 1632 ou 1633. O Vice-rei do Peru, Conde de Chinchou chegou a escrever uma carta ao rei Filipe IV pedindo medidas urgentes para frear o avanço das bandeiras na província paraguaiana e ao mesmo tempo punir os responsáveis. O rei enviou em 1638 uma comissão para avaliar os prejuízos e a situação, a comissão entregou o parecer no ano seguinte, porém em 1640 Portugal se separou da União Ibérica, logo, a sentença passou a caber ao rei português, na época D. João II. Porém, o novo rei estava preocupado mais com a precária situação do Brasil e das colônias em África, e como também expulsar os holandeses do nordeste. A punição nunca veio a ocorrer.
Considerações finais: o brilho do ouro ofusca as bandeiras
As bandeiras se desenvolveram ao longo do século XVII, entre irem prear índios, servir como mercenários ou paramilitares no Nordeste, combatendo quilombos, e lutando contra os holandeses; atuaram também como paramilitares no sul, atacando os domínios espanhóis, outras viajaram para a Floresta Amazônica e outras continuaram a procurar por ouro nas regiões que hoje compreendem Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Por volta da segunda metade do século XVII, indícios de minas de ouro começaram a correr pelos sertões hoje mineiro e goiense, ouro já havia sido descoberto ainda no século XVI na bandeira de Afonso Sardinha em 1598, o mesmo descobriu ouro na Serra da Mantiqueira (serra que se estende pelos atuais estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais).
O ouro descoberto fora em pouca quantidade, porém outros pequenos veios de aluvião foram encontrados em outras áreas da Capitania de São Vicente, mais devido a pouca quantidade, acabou não gerando uma "corrida do ouro" como seria vista no final do século XVII. Por volta de 1694 ou 1695, minas de ouro foram descobertas e a região fora batizada de Minas Gerais. A "corrida do ouro" havia começado, e em pouco tempo se tornaria em uma "febre do ouro". Pessoas de todos os cantos da colônia, da metrópole e de outras nações se dirigiram para Minas Gerais atrás dessa pedra dourada.
As bandeiras ainda continuaram pelos trinta anos seguinte, procurando novas minas de ouro, onde acabaram encontrado outras minas por Minas Gerais, Goiás e no Mato Grosso. Além de também terem descoberto minas de esmeraldas e de diamante. Porém, a medida que o ciclo do ouro crescia, muitos bandeirantes acabaram deixando as bandeiras para se juntarem as levas de imigrantes que chegavam as regiões mineradoras para tentarem a sorte de enriquecer. As bandeiras de preação, já não davam tanto lucro como antes e era um investimento arriscado. Aqueles bandeirantes que não foram atrás de ouro ou foram lutar para conseguir monopólio sobre as minas, como fora o caso da Guerra dos Emboabas (1707-1709), ou ficaram em São Paulo e se tornaram provedores de gêneros alimentícios e outros artigos para a região mineradora a qual carecia desses gêneros. Outros se mudaram para o Rio de Janeiro e para o Nordeste.
Para historiadores como Volpato, Magalhães [1978), Davidoff e Taunay [1975], o século XVIII marcou o final do Ciclo das Bandeiras, pois antes de meados do século, muitas minas haviam sido descobertas, e as bandeiras que procuravam por mais minas, começaram a desistir de continuar com o objetivo, e passaram a se concentrar em explorar o que fora encontrado. Magalhães e Volpato também falam que algumas expedições que ainda continuaram a ocorrer pelo século XVIII eram chamadas de bandeiras, eram expedições punitivas, mas ele defende que tais expedições embora compartilhassem o nome, não devem ser inseridas no movimento do bandeirismo, pois não tinham nenhuma semelhança fora o nome. O ouro descoberto ofuscou o brilho das bandeiras pondo fim a um legado de quase dois séculos.
NOTA: Na cidade de São Paulo existe um famoso monumento dedicado as bandeiras, o chamado Monumento às Bandeiras, esculpido por Victor Brecheret.
NOTA 2: No estado de São Paulo, muitas cidades possuem nomes de ruas e de praças, contendo o nome de bandeirantes famosos, ou simplesmente chamadas de "rua dos bandeirantes", ou "rua das bandeiras".
NOTA 3: Na cidade do Rio de Janeiro, existe o famoso bairro nobre chamado Recreio dos Bandeirantes.
NOTA 4: Entradas e Bandeiras é o nome do terceiro álbum musical da cantora Rita Lee com a banda Tutti Frutti, lançado em 1976.
NOTA 5: A palavra bandeirante também é utilizada para se referir a escoteira.
NOTA 6: Alguns historiadores preferem separar bandeirismo de bandeirantismo, pois o primeiro termo refere-se ao movimento das bandeiras, já o segundo tem alusão ao movimento escoteiro.
NOTA 7: Dia 14 de novembro é celebrado o Dia dos Bandeirantes no Brasil.
NOTA 8: Em 1937 em São Paulo fora fundada a Rádio Bandeirante, hoje faz parte do Grupo Bandeirante de Comunicações, que incluem emissoras de rádio e televisão, na qual inclui a Rede Bandeirantes (Band) fundada em 1967.
Referências bibliográficas:
VOLPATO, Luiza. Entradas e Bandeiras. 2a edição, São Paulo, Global, 1986. (Coleção História Popular - 2).
DAVIDOFF, Carlos Henrique. Bandeirantismo: verso e reverso. 2a edição, São Paulo, Brasiliense, 1984.
MAGALHÃES, Basílio de. Expansão geográfica do Brasil colonial. 4a edição, São Paulo, Nacional, 1978. (Coleção Brasiliana - volume 45).
TAUNAY, Affonso de E. História das Bandeiras Paulistas - tomo I. 3a edição, São Paulo, Melhoramentos, 1975.
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