Tendo produzido trabalhos profissionais na área, de quando em quando
me vejo à procura de explicar como é que se produz um roteiro para
Histórias em Quadrinhos (HQs, gibis, Banda Desenhada).
Ora, isso exigiria uma série de longas conversas, ou artigos
seriados, ou um livro. Mas como o bate-papo normalmente é curto, vou
colocar aqui 5 dicas:
1) Escreva
Escreva muito. Pare de falar a respeito de escrever e escreva.
Escreva tudo o que der na telha na hora. Pode não vir a fazer sentido
algum no final, mas faz parte do processo de criação.
Não tem desculpa: você pode pegar uma folha simples de papel e
desandar a escrever. Mas para quem tem acesso a computador, mais fácil
ainda: vá jogando tudo num arquivo. Na hora de produzir o roteiro pra
valer mesmo, você pode salvar o tal arquivo com outro nome: é mais fácil
cortar, reescrever, reorganizar, editar, enfim… Mas isso só é possível
se já tiver algo escrito.
2) Organize as ideias
Muitas delas são bacanas, mas não funcionam numa história só (vale a
pena guardar para outras). Pense que as coisas têm que fazer sentido –
ações têm consequências, como na vida real, e espera-se que exista
começo, meio e fim. Mesmo que a HQ seja contada fora de ordem
cronológica. Ora, você não aprendeu nada mesmo quando estudou
dissertação na escola?
Vale apelar para as perguntas básicas dos jornalistas: Quem? O quê?
Como? Por quê? Quando? Onde? Enquanto você elabora respostas para essas
perguntas, vai delineando a história na sua cabeça (e no papel, ou na
tela do computador).
3) Não escreva para si mesmo
Esta dica vale especialmente quando o roteiro será desenhado por
outra pessoa (embora acredite que valha mesmo quando se desenha uma
história própria, para não ter que confiar na memória).Um roteiro é uma
ferramenta de trabalho. Você deve expor de maneira clara, o mais
objetivamente possível, o que pretende que seja desenhado.
O desenhista será seu primeiro leitor. Se não conseguir capturar o
interesse dele, quem dirá dos demais? Ele ainda terá uma série de
decisões a tomar para desenhar (acompanhe um profissional decidindo
sobre o que colocar numa página e verá como funciona), então não seja
preguiçoso e dê um mínimo de detalhe sobre as cenas: se não, ele terá
que “adivinhar” o que passou por sua cabeça.
E escreva corretamente em língua portuguesa, por favor: escrever bem
só se aprende com bastante prática e boa leitura. Um roteiro com erros
crassos de português perde total credibilidade e o interesse do leitor.
4) Não fale sobre uma ação: mostre-a
Você pode ser desenhista ou não, mas é importante pensar que o que
você está escrevendo vai virar imagens. Ao invés de colocar uma caixa de
narração explicando que um personagem é malvado, crie uma situação na
qual ele possa demonstrar sua malvadeza.
Uma imagem não vale mais que mil palavras? Quanto mais importante a
ação, mais detalhes você tem que incluir no roteiro, que servirá como
orientação para o desenhista. Se uma expressão de um personagem é
importante, num determinado momento, peça um close (isso, como em
linguagem cinematográfica). Se o importante é mostrar onde ele está,
marque um plano geral do local.
Vale lembrar que, num roteiro, você identifica o texto que deve
entrar no quadrinho (nos balões, ou nos quadros de narração). Este texto
sempre deve ser complementar à ação. Na maioria das vezes será ridículo
você colocar um quadro com a narração “Ele desferiu um soco no queixo
do adversário” enquanto o que se vê é um sujeito dando um soco no queixo
de outro.
5) O tempo dos quadrinhos é um caso à parte
O tempo nos quadrinhos é determinado por fatores como o tamanho e
detalhamento de um desenho e pelo espaço de requadro (o intervalo entre
um quadrinho e outro).Você pode narrar ações simultâneas intercalando
quadros. Você pode colocar num quadro ou numa seqüência de quadros, um
desenho que mostre o tempo daquela ação (como uma seqüência que mostra
um sujeito em sua cama do ato de dormir até o de acordar, enquanto no
fundo do quadro vemos uma janela mostrando o sol que vai raiando).
E existe também o tempo de leitura: um quadro de página inteira pode
ser lido rapidamente ou não, dependendo do tamanho do desenho e dos
detalhes contidos nele. É uma opção que se faz. Mas lembre-se: por mais
que o roteirista e desenhista se esforcem para colocar “amarras” no
tempo da HQ, o leitor ainda vai querer determinar seu próprio tempo de
leitura e pode até subverter a ordem de leitura, pulando páginas (é a
parte mais interativa do negócio). Um bom roteiro ajuda o leitor a
mergulhar na história como ela foi concebida.
E então, aticei sua curiosidade? Pois bem. O próximo passo é começar a construir suas próprias histórias.
Fique aqui com um exemplo de roteiro, um trecho de uma HQ online que criei para o estúdio
Impacto Quadrinhos, que foi desenhado para o site
Ford Kids.
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Conheça também:
– 5 livros básicos para aprender a fazer quadrinhos
–
6 dicas de elementos fundamentais para produzir seus quadrinhos
–
Dicas sobre HQs aprendidas com o quadrinista e escritor Lourenço Mutarelli
–
Como obter recursos para produzir seus quadrinhos
–
Como fazer HQs e tirinhas utilizando softwares gratuitos
Este post participou da iniciativa
Blogueiro Repórter.
De um modo geral, as histórias em quadrinho
costumam acompanhar a vida das pessoas desde a infância. De modo que
suas características básicas estão de algum modo arraigadas na nossa
mente. Ainda assim, muita gente simplesmente “trava” diante de uma
possibilidade de para fazer quadrinhos, seja numa brincadeira criativa
sem compromisso ou para realizar alguma atividade criativa na escola,
entre outras possibilidades. Seja um cartum de quadro único, uma tira ou uma história longa.
Não se preocupe tanto com isso a ponto de ficar sem ação: você verá
que os princípios básicos para a produção de uma HQ são simples (claro
que fazer isso com qualidade profissional e sair por aí a ganhar
dinheiro com suas histórias em quadrinhos vai exigir esforço, tempo e
dedicação, mas isso é uma outra história).
Resolvi então listar estes elementos básicos, que estão presentes
de uma forma ou de outra em qualquer gênero de HQ, seja um infantil,
adulta, graphic novel, mangá… Num esquema profissional, o trabalho de
pensar cada detalhe pode ser dividido por uma equipe (desenhista,
roteirista, letrista…), mas a ideia aqui é apresentar para que qualquer
pessoa, criança, jovem, ou adulto possa arriscar seus passos nos
quadrinhos por meio destas dicas fundamentais.
Vamos lá?
REQUADRO
As HQs são conhecidas exatamente por esta marcante característica
básica: este conjunto de linhas que delimitam o espaço de cada cena e
constituem o quadrinho, esta moldura mais conhecida como requadro entre os profissionais da área.
Em algumas histórias, tais linhas podem ganhar formatos diferentes,
chegam a ser circulares, trêmulas… Um formato mais anguloso ajuda na
narrativa visual e deixa a leitura mais dinâmica, por exemplo. Até
existem casos nas quais as linhas são existem efetivamente, o autor
deixa ao leitor a tarefa de imaginá-las. É uma opção estética para a
obra, implica em outros questionamentos, mas como estou a tratar do
básico, então fiquemos com o requadro.
CALHA
Talvez nunca tenha parado pra pensar, mas em geral existe um vão
entre um quadrinho e outro. É o que chamamos de calha. Ela pode ajudar a
delimitar o tempo: mais larga, indica mais tempo entre um quadro e
outro; se é mais curta indica uma ação mais rápida e contínua
BALÃO E RECORDATÓRIO
Tão amplamente conhecido como o requadro são os balões, esta figura
que simboliza o ato da fala dos personagens, abrigando o texto da
conversa. Os balões também podem ser desenhado de forma diferente,
acumulando funções na HQ: linhas mais quadradas podem significa voz
eletrônica, mais rabiscadas indicam de grito ou voz alta, aquelas que
lembram nuvenzinhas constituem balões de pensamento e por aí vai…
Note que o balão tem um “rabicho”, de forma a apontar para um
personagem para indicar precisamente ao leitor quem está falando, ou
pensando.
Já o recordatório é um painel sem rabicho, usado normalmente pelo
narrador para tratar de algo não visível no quadrinho. Em algumas
histórias também é usado para apresentar pensamentos dos personagens (se
o balão “nuvenzinha” representar uma quebra na harmonia da arte, por
exemplo, como em HQs mais adultas).
Um parênteses: O uso de representação da fala é tão marcante para
os quadrinhos que sua utilização pelo cartunista norte-americano Richard
Outcault na série At the Circus in Hogan’s Alley, criada em 1895, é
considedo como marco da criação dos quadrinhos. Embora não usasse
balões, o personagem principal,
Yellow Kid,
o Garoto Amarelo, apresentava suas falas por meio de texto inserido em
sua vestimenta. Claro que representação de histórias por meio de
desenhos existem desde o tempo das cavernas – e mesmo aqui no Brasil
tivemos um dos precursores das HQs, o italiano
Angelo Agostini, que lançou seu Nhô Quim em 1869 na imprensa nacional – mas isso é conversa pra outra hora…
ONOMATOPEIA
Assim como o balão indica o som da fala, a onomatopeia é uma
representação de um som ambiente, que for importante para o desenrolar
da história.
Como não tem o rabicho, é desenhada bem próxima ao emissor do som.
Assim, “TOC, TOC” indica o som de duas batidas na madeira, “CABRUM” uma
explosão, “PLOFT” uma coisa caindo no chão e por aí vai. Normalmente vem
acompanhada de algum incremento gráfico às letras, como nos exemplos
acima.
DESENHO/ IMAGEM
É a desculpa clássica pra alguém se recusar a tentar fazer uma
história em quadrinhos: “Não sei desenhar”. O que, em geral, não é bem
verdade: estamos acostumados a rabiscar desde a infância embora a
maioria pare de evoluir seu desenho depois de alguns anos. Mas ainda
assim sabem tentar reproduzir o que vêem ou imaginam graficamente, nem
que seja por esquemas e “homens palitinho”. Volta e meia, quando alguém
não consegue se expressar com palavras pedem: “Desenha aí!”, não é
verdade? Sem contar, que é possível produzir quadrinhos usando fotos ao
invés de desenhos, ou mesmo colagens…
|
As Cobras, por Luís Fernando Veríssimo |
Claro que, se o objetivo é uma qualidade profissional, você terá
que treinar bastante, seja sozinho ou por meio de cursos específicos de
quadrinhos. Mas aqui estou me atendo ao básico, a existência do
desenho/imagem é fundamental, mas a sua qualidade estética é discutível
(não é por que o desenho não parece uma foto que a HQ é ruim, vide o
escritor Luís Fernando Veríssimo e sua genial tira das Cobras). Essa
suposta qualidade do traço importa menos que o item a seguir, por
exemplo.
NARRATIVA VISUAL
Você, como leitor de quadrinhos, usufrui disso, talvez sem
saber. Há certas regras a serem seguidos na escrita, certo? Para que o
processo de leitura de uma HQ aconteça naturalmente, também existem
padrões a seguir na construção da narrativa visual, ou seja a que é
possibilitada por meio do desenho.
É básico, por exemplo: nós ocidentais escrevemos da esquerda para a
direita, de cima para baixo. A diagramação dos quadrinhos e da arte
nele contidos devem levar isso em conta, do contrário dá um nó na cabeça
do leitor, que não sabe bem a ordem de “leitura” tanto do texto quanto
das imagens. Em geral as pessoas sabem posicionar bem os quadrinhos, mas
se esquecem do conteúdo de cada um. Por exemplo, se há dois personagens
em cena. Em geral, quem fala primeiro deve ficar mais à esquerda, assim
como seu balão. Se duas pessoas estão conversando, tente posicioná-las
como seria na vida real, é só observar: elas procuram se olhar na maior
parte do tempo. E se alguém aponta pra uma direção, a outra pessoa da
cena acaba por olhar pra lá e não mais pro interlocutor. E por aí vai.
Há muitas outras situações que podem ser melhor resolvidas no
desenho por meio de um bom estudo de narrativa visual. Claro que isso
demanda certa “cultura visual”, aprender a observar estes pequenos
detalhes, realizar estudo específico. Mas se você conseguir ao menos
cumprir o básico tá ótimo: a arte deve seguir o sentido tradicional de
leitura. Se não, fica esquisito, como é, por exemplo, ler um mangá com
texto traduzido, mas com a arte mantendo o padrão oriental (que não só
lê da direita para a esquerda, mas escreve em vertical de cima para
baixo, não horizontal como nós), como comentei
neste artigo na Rede RPG.
Me agrada mais os mangás com arte invertida para leitura da esquerda
para a direita (como num espelho): cria algumas situações estranhas, com
personagens destros virando canhotos, mas é um preço a se pagar por uma
melhor narrativa visual.
E é isso. Tendo em vista estes itens que tratei acima, só pensar numa
história que mereça ser contada e mãos à obra. Comece com ideias de um
quadrinho só e vá aumentando… Deixa aqui um comentário com sua
experiência depois.
E então? Está preparado para se arriscar a criar suas próprias histórias em quadrinhos?
Não deixe de visitar este
outro post do blog, no qual dou dicas básicas também para criação roteiro.
Confira também:
– 5 livros básicos para aprender a fazer quadrinhos
– O que aprendi sobre quadrinhos (e a vida) com Lourenço Mutarelli (com dicas para sua produção de HQs e uma lição de vida)
–
Como obter dinheiro para produzir seus quadrinhos
–
Como fazer HQs e tirinhas utilizando softwares gratuitos
– Uma
série de quadrinhos experimentais produzidos a partir de fotos: #EuVejoHQs
E então você já tem uma noção dos elementos a utilizar nas histórias em quadrinhos que pretende criar e ao menos esboçou sua ideia num roteiro.
Pois então, o momento efetivo da produção traz muita semelhança ao de
um trabalhador braçal. Daí a importância das ferramentas digitais, que
possibilitam mais agilidade no processo, que antigamente era
praticamente todo manual.
E hoje em dia já existem softwares gratuitos que, ao menos para as
situações mais comuns de produção, não devem a programas vendidos como
Photoshop. Para desenho e ilustração, os mais populares são
Gimp e
Inkscape,
ambos com versão em língua portuguesa. Eu mesmo utilizo o Gimp há algum
tempo e engatinho no Inkscape para finalização de arte. Na internet são
encontrados bons tutoriais para utilização, vou aqui apresentar alguns,
em português.
O grupo
Nossa Visão Quadrinhos produziu três tutoriais de software livre voltados à produçãod e quadrinhos. São eles:
Como ajustar imagens para HQs usando o Gimp
Como colocar letras e balões em HQs usando o Inkscape
Como editar HQs usando o Scribus
Você precisa conhecer o
blog do desenhista e ilustrador Mozart Couto,
que produz tanto para o Brasil quanto para o mercado norte-americano.
Mesmo se por acaso não conhece o trabalho dele com quadrinhos, verá
bastante utilidade para os tutoriais que disponibiliza por lá para uso
de ferramentas digitais. Eis alguns, para baixar:
–
Manual: Como utilizar mesa digitalizadora
– Tutorial Gimp e Gimp Brushes
– Como letreirar e colocar balões usando o Gimp
E não deixe de conferir o Blog do Desenhador, de Mozart Couto, que traz diversas outras dicas.
Já o quadrinista Rodrigo Leão (blog Nóis na Tira) escreveu Produzindo Histórias em Quadrinhos com Software Livre, que pode ser lido e baixado logo abaixo.
Quadrinhos livres
E você, produz ou quer produzir quadrinhos com software livre?
Deixe aqui seu comentário.
Leia também estas outras dicas: