dezembro 25, 2006
Resumir a carreira de um autor como
José Ortiz em poucas linhas é uma tarefa praticamente impossível; de facto para se poder estudar como merece uma trajectória como a sua, requeria-se um livro, mas vamos tentar.
José Ortiz Moya nasce em Cartagena em 1932. Irmão do também desenhador
Leopoldo Ortiz, começa muito cedo a descobrir a sua vocação e ganha um concurso de desenho realizado para a revista de banda desenhada
Chicos em 1951. Nesse mesmo ano começa a trabalhar com a editora
Maga, casa para a qual realizaria o grosso da sua produção durante a década de 50: série como
El Espia,
Dan Barry el Terremoto ou
Pantera Negra. Em 1958 realiza para Toray Sigur,
El Vikingo, série que se converte no maior êxito do início da sua carreira. O início dos anos sessenta marca também o final da época dourada do
tebeo (revista de banda desenhada) popular, o que motivaria que toda uma série de autores voltasse a sua produção para o exterior através de agências. Assim,
Ortiz começaria a produzir material através de
Bardon Art, principalmente para o mercado britânico.
1973 marca um dos grandes pontos de inflexão da carreira
de José Ortiz, ao começar a sua colaboração com a editora norte-americana
Warren. O desembarque de toda uma frota de desenhadores espanhóis serve para dar uma difusão internacional ao trabalho de artistas como
Luis Bermejo,
Esteban Maroto,
Leopoldo Sánchez ou
José Ortiz. Estima-se que
Ortiz realizou 119 histórias para a
Warren, o que o converte no desenhador mais profícuo da editora. Revistas como
Eerie, Creepy, 1984, Rook o Vampirella viram aparecer os seus trabalhos, entre eles destaca-se com um brilho próprio
Los cuatro jinetes del Apocalipsis; obra que nos serve como exemplo do labor de
José Ortiz para a
Warren, mediante todo o seu esbanjar de técnica, vigor narrativo e o seu pessoal e espectacular estilo de “entintar” – aqui pode-se destacar a célebre técnica de “
lâmina de barbear”, marca da casa também de outros grandes desenhadores como
Dino Battaglia.
A etapa
Warren do trabalho de
Ortiz dura praticamente até 1981. Simultaneamente a ela realiza também uma série de histórias com argumentos de
Josep Toutain, que reproduziam a História de diversas lendas do “Faroeste” norte-americano, que se recompilaram em dois “tomos” sob a epígrafe
Grandes mitos del Oeste, e que ademais servem-nos para realçar o grande carinho que
Ortiz sempre teve pelo género western. A essa etapa pertencem também
El pequeño Salvaje, história que contava com argumento próprio, os seus episódios da série
El Cuervo e o seu trabalho com
Tarzan – em que se recorda o vigor e a vitalidade que
José insuflou à personagem.
1981 marca o que é seguramente o ponto chave da carreira de
Ortiz: O regresso ao mercado autóctone para realizar uma obra mais pessoal, coincidente com o início da sua colaboração com
Antonio Segura. A primeira criação da dupla
Segura-Ortiz foi
Hombre, uma série de ficção científica próxima e pós apocalíptica que rompeu barreiras na sua época, pelo seu tom lúgubre e desencantado e pelo incrível grafismo de
Ortiz, tanto na primeira etapa a preto e branco, como na posterior, colorida.
A assinatura
Segura-Ortiz converte-se a partir de então em habitual nas revistas de banda desenhada de vários países durante os anos oitenta e na primeira metade dos anos noventa. Em 1983, embarcam no projecto de autogestão que se chamou
Metropol;
Ives foi a série que criaram para a revista, uma história do género “noir” e ambiente carcerário. No ano seguinte criam essa obra-mestra denominada
Las mil caras de Jack el Destripador, praticamente ao mesmo tempo rebaptizam
Ives como
Morgan, uma “nova” série de 23 episódios, todos eles realizados a preto e branco.
Através de
Selecciones Ilustradas, a agência de
Josep Toutain, criam em 1987
Burton & Cyb, série cómica e cósmica sobre as andanças de dois enganadores inter-galácticos que beneficiam de uma cor luminosa e de toda a arte de desenhar de
Ortiz na hora de criar e recriar mundos e seres alienígenas com inegável graça. Entretanto a revista
Gran Aventurero ofereceu-lhes em 1990 a oportunidade de produzir
Juan el Largo, obra composta por dois álbuns e que recupera o espírito da aventura clássica mediante as andanças de um peculiar grupo de piratas nos mares do Caribe. Alem do seu trabalho com
Segura,
Ortiz continuou a trabalhar, através da agência
Norma, uma série de trabalhos para o estrangeiro: como episódios de
Rogue Trooper ou
Judge Dredd para a editora
2000ad britânica ou episódios de sabre para a editora norte-americana
Eclipse.
O êxito internacional dos trabalhos da dupla
Segura-Ortiz, unido à crise do mercado espanhol, fez com que a partir de 1990 produzissem o seu trabalho directamente para a indústria italiana. Desse modo criam
Ozono para a revista
L’Eternauta, uma série do género “noir” com um alto conteúdo de denúncia ecológica, e
But O’Brien, livro de cabeceira sobre um ex-boxeador metido a guarda-costas, publicado na revista italiana
Torpedo. Chegamos então a 1993, ano em que se inicia a relação de
Ortiz com a
Sergio Bonelli Editore. Como o próprio
Sergio reconheceu, a ideia de convidar
José Ortiz para realizar um dos seus Tex Gigantes já estava congeminando desde há vários anos, até que finalmente o conseguiu convencer. A partir desse momento
José começará a trabalhar quase em exclusivo para a Sergio Bonelli Editore, realizando uma história em quatro partes, de Ken Parker e vários episódios de Mágico Vento, além de todo o seu trabalho em Tex.
La grande rapina, o Tex Gigante de 1993, traz o seu primeiro trabalho com Tex. Trata-se de uma história de 224 páginas em que Tex e Carson devem desarticular um bando de ladrões de trens estendendo-lhes uma armadilha quando se dispõem a roubar o pagamento do exército. A história escrita por
Nizzi serviu para que
Ortiz fosse se adaptando às personagens – com o género nunca teve nenhum problema já que, como podemos ver na história, é um autêntico especialista – e em especial com Kit Carson, cuja sua interpretação é uma das mais atractivas de toda a saga de Tex.
O trabalho seguinte de
Ortiz inclui ademais a chegada de
Antonio Segura à escrita da série.
Il cacciattore di fossili e
L’oro del sud, editados em Novembro de 1997 e Outubro de 1999 respectivamente, são duas histórias de 350 páginas a primeira e de 270 páginas a segunda que inauguravam a sua participação na colecção Maxi-Tex (edições nºs 2 e 3, que já tinha tido um primeiro número com uma história da dupla Giancarlo Berardi/Guglielmo Letteri) e nas quais para além do habitual despejar de talento do desenhador, há que ressaltar a especial convicção de que ambos os autores fazem gala: algo que terá tido a ver com a boa aceitação que os leitores dispensaram a ambos os volumes.
No intervalo de ambos os Maxi-Tex,
José Ortiz incorpora-se no grupo de desenhadores da série mensal. Os episódios 449 e 450 abarcam a história Gli
uomini che uccisero Lincoln, a primeira das suas sagas que conta com argumento de
Nizzi. Consiste em uma intriga de carácter quase político em que Tex e Carson, de uma maneira quase casual, vêm-se implicados numa investigação que os levará a descobrir quem estava por detrás do assassinato do presidente
Lincoln. O que primeiro salta à vista ao analisar ambas as revistas é que não se tratava de uma história de características muito adequadas para poder aproveitar as melhores qualidades do seu desenhador; uma história desenrolada num ambiente urbano e em espaços fechados que não permitia a
Ortiz explorar o seu vigo narrativo da mesma maneira que quando desenha guiões desenrolados em espaços abertos. Tudo isso fica ainda mais claro ao analisar os seus trabalhos seguintes na série mensal e em especial nas duas histórias seguintes escritas por
Boselli.
Sulla pista di Fort Apache é uma história em três partes editada nos números 458 a 460 na qual Tex e Jack Tigre se vêm no meio de um grupo de índios rebeldes e do exército, tentando evitar uma nova guerra índia.
La miniera del fantasma, história em duas partes publicada nos números 478 e 479 da série mensal, traz-nos Carson e Tex investigando a lenda de uma mina sobre a qual aparentemente pesa uma maldição. Ambas as histórias fazem parte das mais valorizadas pelos leitores nos últimos anos.
Os números 494 a 496, editados em 2002 a última história antes do mítico Tex 500 ilustrada por
José Ortiz na série mensal. Tratou-se de um argumento escrito por
Nizzi que começa quando o chefe de uma tribo Dakota pede ajuda a Tex e Carson ante o estranho comportamento de alguns jovens guerreiros, que se uniram numa espécie de conspiração inter-racial encabeçada por um misterioso individuo que oculta o seu rosto por trás de uma máscara de madeira.
Após o Tex 500,
José Ortiz continua firme no seu trabalho de desenhar Tex e já participou em diversas outras histórias: Tex 515 a 517 (
Il lungo viaggio), Tex 540 e 541 (
Puerta del diablo), Tex 550 e 551 (
Un treno per Redville) sempre com argumentos de
Claudio Nizzi e ainda o Maxi Tex 2004 (
Il treno blindato), com argumento
Antonio Segura.
Se alguém analisar a lista de actuais desenhadores do staff de Tex, é indiscutível que há dois nomes que brilham com luz própria. A presença de dois autores da grandeza de
Giovanni Ticci e de
José Ortiz é um autêntico luxo que muito poucas – para não dizer nenhuma – colecção de banda desenhada pode permitir-se. De facto qualquer editor faria os possíveis e os impossíveis para ter tão só um dos dois como ilustrador de uma sua série. Ante a hipotética pergunta do que é que
José Ortiz trouxe ao Tex, diríamos que energia e vigor narrativo. Porque
Ortiz não só domina a cenografia do western na perfeição, como é um dos escassos autores capazes de desenhar qualquer coisa de qualquer ângulo – e sem aparente dificuldade – e o verdadeiramente impressionante é que se colhermos ao acaso qualquer sequência de acção desenhada por ele, teremos todo um tratado de como dinamizar a acção, como captar o movimento, como eleger o plano adequado para qualquer momento…
Cremos que algum dia os cientistas que se dedicam à Física deveriam voltar-se para um autor como
José Ortiz para estudar como se pode criar pura energia utilizando somente lápis e pincel.
Texto de José Carlos Francisco, baseado no livro-catálogo “Tex Habla Español”.
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